Artigos sem embasamento científico correto contribuem para a propagação de ideias falsas sobre efeitos colaterais das vacinas, prejudicando as campanhas de imunização
"O aumento da disponibilidade de dados para pesquisa contribuiu, paradoxalmente, para a desinformação científica. Quando a pessoa não possui o conhecimento para analisá-los criticamente, os dados podem ser mal usados e mal interpretados. Embora o acesso fácil à informação seja útil, ele também permite que análises ruins se espalhem sem controle. O problema piora quando estudos mal feitos são publicados em revistas científicas", destaca o artigo "A má ciência ameaça a saúde pública: como análises incorretas fazem vacinas parecerem perigosas", publicado no dia 13 de janeiro no site The Conversation.
Segundo o artigo, mudanças no modelo de negócios das editoras em enfraquecido o tradicional sistema de revisão por pares. "Muitas revistas científicas agora priorizam lucro, aceitando artigos mal conduzidos em troca de pagamento de taxas de publicação. Quanto mais artigos publicam, mais ganham, sem se preocupar com a qualidade", ressalta o texto de autoria dos pesquisadores Thiago Cerqueira-Silva (London School of Hygiene & Tropical Medicine), Manoel Barral-Netto (presidente da Academia de Ciências da Bahia) e Viviane Boaventura (Fiocruz e Universidade Federal da Bahia).
Os três destacam que revistas que priorizam o lucro fazem revisões superficiais, chamando revisores sem o conhecimento adequado para reler os artigos. Isso resulta na publicação de estudos com erros graves, que passam a ser tratados como ciência confiável.
"Um exemplo é 'Evaluation of post-COVID mortality risk in cases classified as severe acute respiratory syndrome in Brazil: a longitudinal study for medium and long term', publicado na Frontiers in Medicine em dezembro de 2024. Os revisores não eram especialistas na área, nem tinham nenhuma experiência sobre epidemiologia da COVID-19 no Brasil. O artigo afirma que as vacinas contra a COVID-19 aumentam o risco de morte não relacionadas à COVID um ano após a infecção. Surpreendentemente, único critério usado para definir mortes 'não relacionadas à COVID' era que ocorressem mais de três meses após o início dos sintomas — uma escolha sem base científica", dizem Cerqueira-Silva, Barral-Netto e Boaventura, explicando os erros embutidos no artigo sobre o pós-Covid.
O texto publicado na Frontiers of Medicina está sendo usado como evidência para alimentar movimentos anti-vacina nas redes sociais. "Essa repercussão reflete diretamente a responsabilidade dos autores, revisores e editores. Ao falharem em garantir análises rigorosas e interpretações precisas, eles acabam contribuindo para a disseminação de desinformação", dizem Cerqueira-Silva, Barral-Netto e Boaventura.
"Os erros graves (...) inviabilizam qualquer confiabilidade naquele estudo. No entanto, ao ser aceito e divulgado como válido, ele acaba gerando uma falsa sensação de incerteza sobre a segurança das vacinas e enfraquece os esforços de saúde pública. Quando a má ciência se propaga, serve de combustível para a pseudociência e a desinformação, tornando-se um perigo real para a saúde coletiva", destacam os autores.
O artigo de Cerqueira-Silva, Barral-Netto e Boaventura pode ser lido em https://theconversation.com/a-ma-ciencia-ameaca-a-saude-publica-como-analises-incorretas-fazem-vacinas-parecerem-perigosas-247172.
(Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Comments