top of page
  • Preto Ícone Instagram
  • Cinza ícone do YouTube

Entrevista

Marcelo Queiroz Hoexter

Vice-chefe do Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica da FMUSP explica o que é ansiedade e quando ela é considerada patológica, como lidar com a ansiedade e como tratá-la quando ela se torna um problema grave, qual é a relação da ansiedade com outros transtornos e como um cotidiano baseado na tecnologia e na virtualização tem impactado a saúde mental dos jovens

bing9.jpeg

Sobre

É coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo, vice-chefe do Laboratório de Investigações Médicas (LIM-23) / Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica e orientador do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Formou-se em Medicina pela Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – Unifesp (2003), obteve doutorado em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Unifesp (2010), com período sanduíche na Harvard University e no Massachusetts General Hospital. Concluiu o pós-doutorado em 2013 no Departamento de Radiologia e em 2015 no Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Foi professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e coordenador do Pronto-Socorro de Psiquiatria do CAISM Unifesp.

É coordenador regional do Enhancing NeuroImaging Genetics through Meta-Analysis Consortium, um consórcio internacional para estudos em TOC, e da área de neuroimagem de um projeto financiado pelo National Institute of Mental Health, com colaboradores dos Estados Unidos, Índia, África do Sul e Holanda.

Membro do conselho editorial da “Bulletin of the Menninger Clinic” desde 2018, foi editor associado da “Revista Brasileira de Psiquiatria” de 2010 a 2013. É parecerista de vários periódicos no Brasil e no exterior e revisor de projetos de agências de fomento, como o CNPq e a International OCD Foundation. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo, Neuroimagem, Neurocirurgia e Psiquiatria do Desenvolvimento.

FCW Cultura Científica – Quais são as principais linhas de pesquisa do laboratório na Faculdade de Medicina da USP que o senhor coordena junto com o professor Eurípedes Constantino Miguel Filho?

Marcelo Queiroz Hoexter – O Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica (LIM/23), sediado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, é um conglomerado de grupos de pesquisa voltados para a psiquiatria que estudam diversos transtornos, entre os quais transtornos de ansiedade na infância e na adolescência e transtornos de ansiedade em adultos, como o transtorno obsessivo-compulsivo, além de outros, como autismo e déficit de atenção com hiperatividade. O LIM/23 possui várias linhas de pesquisa, que incluem, por exemplo, a análise de dados epidemiológicos com o objetivo de compreender a frequência, a prevalência e a incidência de transtornos psiquiátricos na população. Os pesquisadores do laboratório também estudam fatores que contribuem para o desenvolvimento de quadros psiquiátricos, sejam eles de natureza social, biológica ou ambiental. Há também estudos mais voltados à neurobiologia, que buscam entender processos cerebrais, neurobiológicos e neuropsicológicos, a fim de investigar seus correlatos cerebrais; estudos sobre linhas genéticas que possam contribuir para a manifestação de transtornos psiquiátricos; e intervenções terapêuticas — ou seja, estudos que tratam pacientes com o intuito de melhorar as abordagens terapêuticas. Para isso, são utilizadas diversas modalidades, desde neuroimagem e genética, procedimentos como o eletroencefalograma para estudar frequências cerebrais ou estudos de monitoramento ocular, nos quais analisamos, diante de um determinado paradigma ou estímulo, como os olhos de um indivíduo se comportam. Em suma, utilizamos as mais diversas tecnologias para compreender melhor a neurobiologia dos transtornos mentais e o efeito das várias intervenções.


FCW Cultura Científica – Poderia explicar o que é ansiedade e quando ela é considerada patológica?

Marcelo Queiroz Hoexter – Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a ansiedade é um fenômeno humano. Nos animais, o medo é uma reação inata a situações de perigo, uma resposta que o organismo adota para se manter, se proteger e continuar existindo. No entanto, é a condição humana que explica a vivência chamada ansiedade. A ansiedade é um fenômeno fisiológico, relacionado a uma série de mecanismos corporais, autonômicos, hormonais, emocionais e cognitivos que preparam o indivíduo para a sobrevivência. De forma simplificada, a ansiedade é uma derivação do medo. Podemos usar como exemplo um rato que, na presença de um gato, apresenta uma resposta de medo porque está ameaçado e, para sobreviver, precisa reagir — seja lutando ou fugindo. Para isso, ele precisa aumentar sua frequência cardíaca, permitindo que o sangue seja bombeado para os músculos e para o cérebro. Além disso, ele fica ofegante, com taquicardia, apresenta alterações pupilares e libera hormônios como cortisol e adrenalina — uma série de reações que fazem parte da resposta ao medo. Essa resposta tem um início muito agudo na presença do gato, o objeto temido, e, tão logo o gato sai de cena, dissipa-se.


Quando falamos de ansiedade, um fenômeno humano, não é necessário que o objeto temido esteja presente, como ocorre com o gato para o rato. Muitas vezes, há uma hiper-reatividade autonômica sem que haja, de fato, a presença de uma ameaça. Em outros casos, pode existir um objeto ameaçador, mas, mesmo depois de ele não estar mais presente, a resposta de medo persiste, quando deveria ter se dissipado rapidamente. Um exemplo é alguém que viveu uma situação de perigo e teve uma resposta de ansiedade, mas, mesmo após um mês, continua reagindo como se o perigo ainda existisse — embora ele já tenha passado, o corpo continua em estado de alerta.


A ansiedade é importante. Um bom exemplo é um jogador de futebol em uma final de Copa do Mundo. Ele ou ela não pode entrar em campo sem ansiedade ou com um nível muito baixo, pois, nesse caso, estaria relaxado demais e, quando a bola passar, não estará atento, além de que seus músculos vão demorar a reagir. No entanto, também não pode estar extremamente ansioso, pois isso pode comprometer seu desempenho cognitivo e motor, prejudicando sua atenção, sua preparação e, consequentemente, sua performance na partida.


A ansiedade não é necessariamente patológica. Quem não fica ansioso quando tem um compromisso importante no dia seguinte ou uma prova dentro de uma hora? Sentir um certo nível de ansiedade é fundamental. É importante que o coração bata um pouco mais rápido, pois isso levará mais oxigênio e sangue ao cérebro. Também é essencial que o nível cognitivo e a atenção aumentem. No entanto, assim que o compromisso ou a prova terminam, a ansiedade deve diminuir, permitindo que a pessoa siga com sua vida. O problema é que, em pessoas com quadro de ansiedade patológica, essa dissipação não ocorre, causa sofrimento e prejudica a vida da pessoa.


Quando a ansiedade ultrapassa esse limite, as pessoas geralmente precisam de ajuda. Para avaliar os casos, é necessário considerar diversos fatores. Em primeiro lugar, a ansiedade não é algo binário — não se trata simplesmente de "ter" ou "não ter". Ela é um construto contínuo, que deve ser constantemente avaliado. A fronteira entre ansiedade fisiológica e ansiedade patológica se estabelece quando a ansiedade começa a causar sofrimento ao indivíduo e/ou prejuízo em seu funcionamento diário. A ansiedade pode afetar as relações interpessoais, dificultando o convívio social. Um indivíduo extremamente ansioso pode evitar interações sociais e não estabelecer relacionamentos afetivos, por exemplo. Além disso, a ansiedade pode comprometer o desempenho profissional, tornando-se tão intensa que impede o uso da capacidade cognitiva necessária para certas funções. Em tais casos, a ansiedade gera sofrimento e prejuízo significativo em algum domínio funcional da pessoa.


FCW Cultura Científica – Qual é a relação da ansiedade com outros transtornos, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou a depressão? A ansiedade pode levar a esses outros transtornos?

Marcelo Queiroz Hoexter – Essas são questões muito importantes. Quando falamos de ansiedade em um sentido mais amplo, ela é um sintoma, uma manifestação — como se fosse uma febre. Diversos quadros psiquiátricos podem incluir a ansiedade entre suas manifestações, como o transtorno depressivo, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia e o abuso de substâncias. Todos esses quadros podem apresentar ansiedade em sua constelação de sintomas. Além disso, existem os transtornos de ansiedade propriamente ditos. O transtorno de ansiedade generalizada, por exemplo, caracteriza-se por um nível de ansiedade acima do esperado, no qual a pessoa se mantém cronicamente ansiosa, muitas vezes com preocupações que ela própria reconhece como excessivas. Esse estado gera sintomas autonômicos, como taquicardia, respiração ofegante e sudorese excessiva. Além disso, a pessoa pode ter dificuldades para dormir — seja porque sua mente não sossega, seja porque, ao acordar durante a noite, não consegue voltar a dormir. Nesse estado de ansiedade generalizada, a pessoa tende a ficar mais irritada e desconcentrada. Quando a ansiedade ocorre de forma aguda e intensa, chamamos de transtorno do pânico. Nesses casos, sem uma causa aparente ou um motivo claramente identificável, a pessoa sofre uma descarga intensa de adrenalina, com sensações físicas extremas e proeminentes, além da impressão de que perderá o controle. Muitas vezes, ela acredita estar diante de uma emergência médica.


Temos também outros tipos de transtornos de ansiedade, como as fobias — medos específicos que podem se manifestar de diferentes formas. Entre elas, destaca-se a fobia social, também chamada de transtorno de ansiedade social, em que a pessoa, diante de situações em que precisa se expor socialmente, apresenta uma resposta de ansiedade intensa, temendo ser julgada pelos outros. Uma reação comum nesses casos é a evitação: a pessoa reconhece que certas situações a deixam ansiosa e, em vez de enfrentá-las, tenta evitá-las, cancelando ou fugindo de compromissos. Além da fobia social, existem as fobias específicas, como medo de altura, de avião ou de lugares fechados.


Há ainda dois quadros que, anteriormente, eram classificados como transtornos de ansiedade, mas hoje são considerados categorias à parte: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ambos compartilham com a ansiedade manifestações autonômicas e uma intensa reatividade corporal e mental. Embora não se saiba se a ansiedade está diretamente relacionada à origem de outros transtornos mentais, sua associação com essas condições é mais regra do que exceção. É comum observar quadros de ansiedade associados a transtornos depressivos, transtornos por uso de substâncias ou transtorno bipolar.


FCW Cultura Científica – Como a ansiedade, o TOC e outros transtornos atuam no cérebro e de que modo eles podem modificar a estrutura cerebral ou o seu funcionamento? E como esses transtornos podem afetar a capacidade cognitiva?

Marcelo Queiroz Hoexter – Sabemos que existe uma correlação entre a atividade cerebral e a manifestação desses quadros, um pano de fundo cerebral para os sintomas de ansiedade. No entanto, isso não significa que essas manifestações possam ser facilmente observadas por meio de exames de imagem, pois envolvem alterações sutis e complexas. Existe um substrato cerebral associado à ansiedade, formado por regiões mais antigas do cérebro, diretamente relacionadas ao processamento emocional e presentes desde o nascimento. Uma dessas regiões é a amígdala, uma estrutura profunda do cérebro envolvida na sobrevivência, na vigilância e no processamento do medo. Ao longo da evolução, o ser humano desenvolveu outras áreas cerebrais, como o córtex pré-frontal, localizado na superfície do cérebro. Essas regiões mantêm uma comunicação constante com a amígdala, contribuindo com interpretação cognitiva e atribuição de significado emocional à resposta inicial de medo.


Nos quadros de ansiedade, há um desbalanço na integração entre as estruturas responsáveis pelo processamento inato do medo, como a amígdala, e as áreas corticais, que desempenham um papel no controle cognitivo e motor. Essas regiões estão em constante comunicação, mas, em alguns casos, a conectividade entre elas não se alinha adequadamente às situações vivenciadas. Portanto, trata-se mais de uma alteração funcional do que estrutural. Se analisarmos um grupo de pacientes com ansiedade, podemos identificar, na média, alterações sutis nessas estruturas cerebrais. No entanto, essas diferenças têm pouco valor diagnóstico quando consideradas individualmente.


FCW Cultura Científica – Nas últimas décadas, vimos a popularização do uso de celulares e redes sociais e, recentemente, o isolamento promovido pela pandemia de Covid-19. De que modo ter uma infância baseada na tecnologia e na virtualização tem impactado a saúde mental dos jovens?

Marcelo Queiroz Hoexter Cada vez mais observamos esse impacto. Todo aprendizado — seja emocional, seja o amadurecimento psicológico ou o aprendizado duradouro — é um processo contínuo e dinâmico. Durante esse percurso, diversos fatores contribuem para o amadurecimento cerebral. Trata-se de uma janela de tempo em que lidamos tanto com sucessos quanto com frustrações, elementos fundamentais para o desenvolvimento. Nos meios digitais, como as redes sociais acessadas pelo celular, a obtenção de satisfações ocorre de forma instantânea e superficial. Esse estímulo rápido e repetitivo pode levar à necessidade crescente de recompensas imediatas, dificultando a construção de processos mais elaborados de aprendizado e amadurecimento. O uso excessivo dessas plataformas pode se tornar um hábito que ocupa espaço e compete com atividades essenciais ao desenvolvimento de outras áreas cerebrais, como a interação social. A troca social é uma característica fundamental para o crescimento humano, pois está diretamente ligada ao desenvolvimento da empatia, à percepção do outro, à regulação emocional e a processos cognitivos. Esses aspectos são estimulados pela expansão e diversificação de hábitos sociais interpessoais, educacionais e saudáveis.


FCW Cultura Científica – O senhor acha que a restrição do celular nas escolas pode ser uma alternativa para reduzir a ansiedade dos jovens ou pode aumentá-la, uma vez que eles vivem com esses aparelhos o tempo todo desde crianças? 

Marcelo Queiroz Hoexter – Essa é uma medida inicial importante, mas não podemos ter uma visão ingênua de que, sozinha, resolverá o problema. No contexto educacional, é fundamental adotar estratégias de moderação e controle do uso de dispositivos eletrônicos. No entanto, não adianta restringir o uso na escola se, fora dela, o jovem continua a utilizar esses aparelhos de maneira excessiva. Precisamos de uma educação digital, de um aprendizado sobre o uso consciente dos eletrônicos, que fazem parte da nossa realidade e não podem simplesmente ser evitados. Proibir seu uso não é uma solução viável, até porque essas tecnologias também trazem inúmeros benefícios. O caminho, portanto, é educar para que os jovens façam uso dessas ferramentas de forma equilibrada e saudável.


FCW Cultura Científica – Como lidar com a ansiedade e como tratá-la quando ela se torna um problema grave?

Marcelo Queiroz Hoexter – Podemos começar com mudanças nos hábitos, embora isso não seja uma tarefa simples. É fácil dizer a alguém para reduzir o estresse no trabalho, mas colocar essa recomendação em prática é muito mais difícil. No entanto, algumas estratégias podem ajudar, como aprender a lidar com o estresse, adotar hábitos saudáveis, manter uma alimentação equilibrada, consumir bebidas alcoólicas com moderação e praticar atividades físicas regularmente. A literatura científica é clara ao afirmar que a atividade física, especialmente exercícios aeróbicos regulares, desempenha um papel fundamental no controle da ansiedade. Outro fator essencial é a higiene do sono, ou seja, manter horários regulares para dormir, garantir um ambiente confortável, reduzir estímulos visuais e sonoros à noite, evitar o consumo de café após o jantar e não usar o celular na cama. Além disso, estratégias de respiração e meditação têm sido cada vez mais adotadas. Mesmo sem recorrer a técnicas mais complexas de meditação ou mindfulness, os exercícios respiratórios já são um recurso valioso para reduzir a ansiedade. Eles ajudam a pessoa a desacelerar, a perceber que a ansiedade atinge um pico, mas depois tende a diminuir. 


Essas estratégias podem ser bastante eficazes, mas, quando não são suficientes, é necessário recorrer a medicamentos ou à psicoterapia. Atualmente, há tratamentos bastante eficazes com o uso de medicações antidepressivas. São antidepressivos que cuidam também de transtornos de ansiedade. Outra abordagem fundamental é a psicoterapia, que auxilia a pessoa a enfrentar a ansiedade, porque quanto mais ela evita determinadas situações, mais valida a experiência ansiosa. Muitas abordagens terapêuticas ensinam estratégias para lidar com a ansiedade de forma ativa, ajudando o indivíduo a enfrentá-la, em vez de simplesmente evitar os estímulos que a desencadeiam.



 


Sobre

Sou um parágrafo. Clique aqui para adicionar e editar seu próprio texto. É fácil.

Sphere on Spiral Stairs

Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024

Edições anteriores:

Fundação Conrado Wessel

Rua Pará, 50 - 15° andar - Higienópolis - São Paulo - CEP 01243-020

(11) 3151-2141

bottom of page