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Entrevista

Li Li Min

Professor da Unicamp explica como a ansiedade se relaciona com o desenvolvimento cerebral, como o uso intensivo de smartphones e de redes sociais pode afetar o desenvolvimento cerebral dos jovens e como podemos nos preparar para ter redes neuronais mais saudáveis ao longo da vida

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Sobre

É Professor Titular de Neurologia na Unicamp, formado em Medicina pela UFPR (1989), com doutorado pela McGill University (2000) e livre-docência pela Unicamp (2005). Possui treinamento em neurologia, neurofisiologia e neuroimagem em centros de excelência como o Instituto de Neurologia y Neurocirurgia de Havana (1992), National Institute and Hospital for Neurology and Neurosurgery (Londres, 1993-1995) e o Montreal Neurological Institute and Hospital (1995-2000).

Atua em campanhas regionais e internacionais de conscientização sobre epilepsia e é presidente fundador da ASPE, organização responsável pelo Projeto Demonstrativo no Brasil na Campanha Global contra a Epilepsia da OMS. Em 2013, foi nomeado Embaixador da Epilepsia pela International League Against Epilepsy e pelo International Bureau for Epilepsy.

Criou o Programa de Atendimento ao Paciente com AVC na Unicamp e articulou uma rede de alianças contra o AVC em Campinas. É um dos pesquisadores principais e coordenador de difusão do CInAPCe (Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre Cérebro) e do Brainn (Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology - Fapesp). Seu nome integra o ranking dos 10.000 pesquisadores mais produtivos e influentes da América Latina e do BRICS.

Na área de inovação e gestão, é vice-presidente de Programas e Projetos do Fórum Campinas de Inovação e Sustentabilidade. Coordena inovação e pesquisa no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Ibrachina e Ibrawork no Parque Tecnológico da Unicamp, explorando novas fronteiras para os 17 ODS da ONU, unindo ciência a modelos de negócios sustentáveis e políticas públicas.

Possui especialização em Gestão Hospitalar pela Unicamp, experiência internacional como professor e pesquisador em gestão e inovação na saúde no Robert Foisie Business School at WPI e UMass Medical School nos Estados Unidos (2014-2016), além de ter sido coordenador da Educational Network Lean Advancement Initiative do MIT na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. É bacharel em Administração pela PUC-Campinas e líder do Grupo de Pesquisa sobre Inovação e Gestão em Saúde do Diretório de Pesquisas do CNPq.

FCW Cultura Científica  O que é o Brainn (Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology) e quais são as principais linhas de pesquisa do instituto?

Li Li Min O Brainn, no âmbito do Programa Cepid da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], é um centro que alia ciência e tecnologia para estudar o funcionamento cerebral, tanto em estados normais quanto patológicos. O centro surgiu da conjunção de talentos diversos das ciências básica e aplicada, abrangendo áreas como biologia, medicina, física e computação. Isso porque o funcionamento do cérebro é algo bastante complexo e, portanto, é necessário abordá-lo sob diferentes perspectivas. 


As pesquisas do Brainn analisam o funcionamento cerebral a partir de imagens, da genética e da clínica. Criado em 2013, o centro é liderado pelo professor Fernando Cendes, tem a Unicamp como sede e reúne grupos de pesquisa de diversas instituições brasileiras e de fora do país. O Brainn teve origem no programa CInAPCe [Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro], também apoiado pela Fapesp, no contexto de criação do Brain Initiative, nos Estados Unidos, durante a chamada década do cérebro.


FCW Cultura Científica  Como a ansiedade se relaciona com o desenvolvimento cerebral?

Li Li Min Precisamos lembrar que a ansiedade é uma resposta biológica normal. Diante de um desafio, estresse ou ameaça, nosso organismo se prepara para enfrentar a situação. Essa resposta biológica desempenha um papel evolutivo fundamental e foi essencial para a sobrevivência da espécie humana. No entanto, quando a ansiedade se torna mais intensa e prolongada, pode evoluir para um transtorno de ansiedade, uma condição patológica com diferentes subtipos.


Do ponto de vista da estrutura cerebral, sabemos que algumas regiões estão diretamente envolvidas na ansiedade. De forma simplificada, a organização cerebral ocorre em três níveis. O primeiro nível corresponde ao cérebro mais primitivo, responsável pelo funcionamento automatizado do organismo, regulando funções como respiração e batimentos cardíacos. O segundo nível integra outras estruturas que, somadas à porção mais primitiva, possibilitam o aprendizado. O sistema límbico, por exemplo, permite que aprendamos a partir de recompensas e está intimamente relacionado à ansiedade.


Na parte mais evoluída do cérebro está o neocórtex, responsável por funções cognitivas superiores, como o pensamento abstrato, a projeção de cenários futuros e o planejamento. Em uma situação de ameaça, automaticamente ativamos um repertório de respostas de sobrevivência, incluindo a liberação de hormônios como o cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, e a adrenalina, que desencadeia uma série de reações físicas, como o aumento da frequência cardíaca. O corpo se prepara para lutar ou fugir. Tudo isso, claro, tem também impacto emocional e cognitivo.


Apesar disso, conseguimos, em certa medida, controlar essas reações. O córtex pré-frontal, que é a parte mais evoluída do cérebro, funciona como um sistema inibitório. É como se ele dissesse: “Calma lá, não é todo esse desastre. Não tem nenhum leão aí, ele está somente na sua cabeça”. Ele ativa mecanismos de controle e não permite a retroalimentação e intensificação dos sintomas de ansiedade. Então, por conta dessas estruturas que são mais primitivas, o lobo frontal tem que se desenvolver bastante para ter o controle desse comando. 


FCW Cultura Científica A crescente onda de ansiedade entre jovens tem sido assunto recorrente, principalmente relacionada ao uso intensivo de smartphones e de redes sociais, como aponta o pesquisador Jonathan Haidt no livro “A Geração Ansiosa”. Recentemente, também foi proibido o uso de telas em escolas brasileiras do ensino básico. Nesse contexto, e considerando o desenvolvimento cerebral, crianças e adolescentes podem ser mais suscetíveis?  

Li Li Min As redes sociais constantemente nos bombardeiam com informações, sendo boa parte delas negativas. Isso pode nos colocar em um estado de constante estresse ou hiperestimulação. Os adolescentes têm mais dificuldade para lidar com situações estressantes, pois o lobo frontal ainda não amadureceu completamente — um processo que só se completa por volta dos 25 anos de idade. Além disso, é fundamental ter autoconfiança e uma autoestima bem desenvolvida para não sermos facilmente influenciados pelas informações que recebemos. 


O adolescente, geralmente em busca de uma identidade e, muitas vezes, sob influência do grupo, tem menor capacidade de filtrar informações e resistir a influências negativas — principalmente quando se trata de conteúdos manipulados, como fake news e discursos de ódio. Se muito cérebro adulto cai nessa, imagina quem ainda está com o cérebro em formação.


Nesse contexto, a ansiedade certamente traz um fator adicional. O sistema límbico funciona como um servo do prazer, e os algoritmos das redes sociais são projetados exatamente para nos prender, estimulando esse sistema de recompensa. O intenso estímulo das redes, aliado à busca por curtidas, interações e validação social, pode levar ao estresse, à ansiedade e até mesmo ao vício.


Os jovens são particularmente vulneráveis a esses impactos, que podem evoluir para transtornos psicológicos ou problemas de longo prazo, justamente por estarem em uma fase crucial do desenvolvimento cerebral. Essa sobrecarga imposta pelas mídias digitais não apenas afeta o bem-estar imediato dos adolescentes, mas também pode ter consequências significativas para sua saúde mental no futuro.


FCW Cultura Científica – Ou seja, além dos impactos cognitivos mais imediatos, o uso intensivo de smartphones e de redes sociais pode afetar o desenvolvimento cerebral dos jovens?

Li Li Min – Precisamos lembrar que o cérebro corresponde a 2% do nosso corpo – ele é constituído por cerca de 86 bilhões de células que se conectam por meio de sinapses. Hoje, entendemos que o cérebro funciona em redes: mais do que regiões isoladas, são as interconexões entre essas áreas que permitem seu funcionamento. O neurodesenvolvimento e a constituição dessa rede funcional são influenciados por múltiplos fatores. O componente genético desempenha um papel fundamental, assim como as questões ambientais. A rede cerebral também é dinâmica: ela se organiza, se adapta e se fortalece a partir das experiências vividas ao longo da vida. Esse fenômeno, conhecido como plasticidade cerebral, é mais intenso na infância. Para que esse desenvolvimento ocorra de forma saudável, é preciso cuidar dele, pois diversos fatores podem influenciar as funções cognitivas – desde a poluição e a nutrição até abusos e o uso de determinadas drogas.


Quando se trata de comportamento, entretanto, há uma dificuldade científica em estabelecer relações causais. Além disso, a questão do uso das mídias digitais é um fenômeno recente e de caráter geracional. Embora já sejam observados alguns impactos pontuais, esse tipo de análise deve ser conduzido a longo prazo. Portanto, esse é um ponto que merece bastante atenção. O desenvolvimento cerebral não é algo estático; trata-se de um processo contínuo, que atinge seu ápice apenas por volta dos 25 anos.


FCW Cultura Científica Em um estudo utilizando imagens cerebrais por ressonância magnética funcional, seu grupo de pesquisa mostrou que pacientes com ansiedade e/ou depressão pós-AVC (acidente vascular cerebral) possuem alterações nas redes neuronais que parecem se relacionar com o tipo de quadro. Como isso ocorre?

Li Li Min  O AVC é uma das principais causas de morte no Brasil e, sem sombra de dúvida, a principal causa de incapacidade física adquirida em adultos. O acidente vascular pode ser do tipo isquêmico, quando há falta de suprimento sanguíneo para uma determinada região do cérebro, geralmente devido ao entupimento de um vaso; ou hemorrágico, quando ocorre o rompimento do vaso, levando ao extravasamento de sangue e, consequentemente, à interrupção do fornecimento de nutrientes e oxigênio para as células. Em ambos os casos, a área afetada deixa de funcionar e de integrar a rede cerebral. Caso a pessoa sobreviva, seu cérebro passará por um rearranjo, uma adaptação. 


Com o avanço da idade, a plasticidade cerebral ocorre de forma mais fraca, o que dificulta esse rearranjo. A capacidade de recuperação depende, portanto, além da lesão em si, de questões genéticas daquele indivíduo, bem como da sua reserva neuronal. Algumas dessas alterações podem levar ao aparecimento de outros sintomas, como ansiedade e/ou depressão, o que, novamente, depende de diversos fatores. 


Observamos que pacientes que desenvolvem depressão e ansiedade após um AVC apresentam alterações peculiares nas redes de conexão cerebral. Nesses casos, pacientes com depressão apresentam rede de conexão mais prejudicada no hemisfério esquerdo do cérebro, enquanto, nos casos de ansiedade, o impacto é maior no hemisfério direito.


Ainda não sabemos exatamente o motivo dessa diferenciação, mas esses achados sugerem que as redes cerebrais podem estar associadas a determinados comportamentos, como depressão e ansiedade, dentro do contexto de uma lesão vascular. Vale lembrar que, nesses casos, a alteração no cérebro é a causa primária dos sintomas, diferentemente do que ocorre em pessoas sem lesão cerebral, mas que, ainda assim, apresentam ansiedade e/ou depressão.


FCW Cultura Científica  Esse padrão observado em pacientes com ansiedade e depressão pós-AVC pode se repetir em outros tipos de lesão cerebral, como no caso de doenças neurodegenerativas?

Li Li Min Não temos essa resposta. O que observamos é a existência de um rearranjo das redes cerebrais, que ocorre em função da lesão primária – nesses casos, uma lesão vascular no cérebro. No caso das doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, células em determinadas áreas do cérebro começam a morrer de maneira precoce. A velocidade de morte neuronal é muito mais acentuada do que a observada em condições normais com o avanço da idade. Portanto, também é muito maior do que a taxa de reposição neuronal que o organismo mantém normalmente. Nesse aspecto, o funcionamento da dinâmica cerebral após outros tipos de lesão pode ser diferente.


FCW Cultura Científica – Como podemos nos preparar para ter redes neuronais mais saudáveis ao longo da vida? 

Li Li Min  Existe um conceito que gosto muito, o de “poupança cerebral”. Quando chegamos a um determinado momento, por volta dos 40 anos, começamos a observar um declínio cognitivo. Ocorre a morte neuronal e a taxa de reposição diminui. Na terceira idade, a plasticidade cerebral ainda ocorre, mas exige muita energia e estímulos. E estamos vivendo cada vez mais. Se chegamos a essa fase com uma reserva cerebral mais baixa, esse declínio pode levar ao aparecimento de sintomas, como a demência, por exemplo, de forma mais rápida.


Vamos imaginar que o sintoma de um problema cognitivo só apareça quando se atinge o nível 70 de reserva cerebral. Se você chega a essa fase de declínio com 80 de capacidade cognitiva, logo chegará ao nível 70 e começará a ter problemas. Mas, se você tem uma poupança de 120, demora mais para chegar aos 70. Essa poupança cognitiva, portanto, vai depender de como você preparou o seu cérebro ao longo da vida e também de tudo o que pode ter acontecido no meio do caminho.


FCW Cultura Científica – Como podemos preparar o cérebro ao longo da vida e mantê-lo saudável?

Li Li Min Certamente existem alguns elementos que podem ser evitados, como o uso excessivo de mídia social e o consumo de álcool, que impactam as nossas redes neuronais. Por outro lado, estímulos cognitivos e atividade física são grandes aliados da saúde cerebral. Aparentemente, o músculo produz uma substância chamada irisina, que protege o neurônio. Estudos recentes mostram claramente a relação entre atividade física e saúde mental. Afinal, os dois andam lado a lado: mens sano in corpore sana.



 


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Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024

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