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Editorial

Novas ansiedades

Armas de distração em massa no lugar de armas de destruição em massa. Redes sociais integraram-se aos telefones celulares tornando o mundo virtual uma presença constante e permanente na vida humana

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Sobre

No pós-guerra, e até 1991, com o fim da Guerra Fria, um dos principais motivos de ansiedade em todo o mundo era a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial, nuclear e possivelmente derradeira. A cada aumento na quantidade de ogivas nucleares armazenadas em silos dos dois lados, o desfecho parecia mais próximo. Felizmente, apenas vinte anos depois, a ameaça de um fim nuclear já não estava mais presente. Entretanto, foi justamente nesse momento que outro tipo de ansiedade entrou em cena, mais uma vez impulsionada pelas novas tecnologias.

what if a much of a which of a wind gives the truth to summer’s lie; bloodies with dizzying leaves the sun and yanks immortal stars awry? Blow king to beggar and queen to seem (blow friend to fiend: blow space to time) —when skies are hanged and oceans drowned, the single secret will still be man

E.E. Cummings*


Em um de seus poemas mais conhecidos, escrito em plena Segunda Guerra Mundial, E. E. Cummings usa imagens intensas e fragmentadas para explorar o caos e a destruição de um vento avassalador que expõe a verdade por trás das ilusões da sociedade e da natureza. É um cenário apocalíptico no qual forças implacáveis desestabilizam tudo e o poeta assiste indefeso, ansioso de não saber o que fazer diante do que vai acontecer, ainda que entenda – ou justamente por isso – que a salvação está no próprio ser humano.   


No pós-guerra, e até 1991, com a dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria, um dos principais motivos de ansiedade em todo o mundo era a perspectiva de uma Terceira Guerra Mundial, nuclear e possivelmente derradeira. A cada aumento na quantidade de ogivas nucleares armazenadas em silos dos dois lados, o desfecho parecia mais próximo. “Não sei com que tipo de armamento a Terceira Guerra Mundial será travada, mas a Quarta será combatida com paus e pedras”, disse Albert Einstein.


Felizmente, apenas vinte anos depois, a ameaça de um fim nuclear já não estava mais presente. Entretanto, foi justamente nesse momento que outro tipo de ansiedade entrou em cena, mais uma vez impulsionada pelas novas tecnologias. No lugar das ogivas, surgiram as inovações em informação e comunicação que, no início dos anos 2010, foram amplamente celebradas, com poucos suspeitando que se tornariam grandes gatilhos da ansiedade contemporânea, especialmente entre os mais jovens — armas de distração em massa, em vez de armas de destruição em massa. A partir de então, essas novas tecnologias, sobretudo as plataformas de redes sociais, integraram-se aos telefones celulares, tornando o mundo virtual uma presença constante e permanente na vida humana.


“No início da década de 2010, os sistemas de ‘redes’ sociais, que haviam sido estruturados (em sua maioria) para conectar as pessoas, transformaram-se em ‘plataformas’ de redes sociais, redesenhadas (em grande parte) para encorajar performances públicas de um para muitos, em busca de validação não apenas de amigos, mas também de desconhecidos. Mesmo os usuários que não postam ativamente são afetados pelas estruturas de incentivos que esses aplicativos criaram. As crianças e os adolescentes, cada vez mais mantidos em casa e isolados pela mania nacional de sobreproteção, passaram a recorrer com mais frequência à sua crescente coleção de dispositivos com acesso à internet, que ofereciam recompensas cada vez mais atrativas e variadas. A infância lúdica acabou; a infância baseada no telefone havia começado”, afirmou Jonathan Haidt, professor da New York University, em A Geração Ansiosa. Publicado em 2024, o livro rapidamente se tornou um best-seller mundial ao alertar que, por trás do aumento expressivo dos transtornos de ansiedade em jovens, estão as profundas mudanças que as novas tecnologias de comunicação trouxeram para o cotidiano.


A ansiedade tornou-se um grande desafio de saúde pública, afetando centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente os jovens. No Brasil, os atendimentos por transtornos de ansiedade no SUS cresceram drasticamente entre 2014 e 2024, com aumentos alarmantes entre crianças e adolescentes: 1575% entre crianças de 10 a 14 anos e 4423% entre adolescentes de 15 a 19 anos.


Esta edição de FCW Cultura Científica aborda a questão da ansiedade, com foco especial em como e por que esse transtorno afeta crianças e adolescentes, além do que pode ser feito para enfrentar esse grave problema. Proibir o uso do telefone celular — medida já adotada para crianças menores em alguns países e implementada em escolas do ensino básico em nações como o Brasil — é considerada por especialistas uma ação insuficiente e, em alguns aspectos, inadequada, ainda que necessária diante de um cenário cada vez mais preocupante.


Nesta edição, entrevistamos cientistas renomados que, por meio de seus estudos e pesquisas, dedicam-se a compreender e a tentar minimizar o sofrimento de crianças e jovens afetados pelo transtorno de ansiedade e por outros distúrbios frequentemente associados, como a depressão.


Anna Lucia Spear King (Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Antônio Álvaro Soares Zuin (Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos), Li Li Min (Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas) e Marcelo Queiroz Hoexter (Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) esclarecem questões essenciais sobre a ansiedade: o que é esse transtorno; como ele se manifesta nos níveis neurológico e molecular; por que passou de uma reação natural para um fenômeno com características epidêmicas; de que forma as novas tecnologias têm contribuído para seu aumento entre os jovens; qual é o papel dos pais na compreensão do problema; como os educadores podem ajudar os alunos a manter o foco no aprendizado diante das distrações e riscos das redes sociais; e quais tratamentos e alternativas podem ser adotados para crianças e adolescentes que sofrem com essa condição.


A ansiedade é, hoje, um problema sério que deve ser reconhecido, estudado e compreendido, a fim de se descobrir como enfrentá-la de maneira eficaz. Celulares e redes sociais são apenas parte do problema, especialmente considerando que, em alguns anos, serão substituídos por novas tecnologias, movidas pela inteligência artificial. Por isso, é fundamental que governos, educadores, profissionais de saúde e a sociedade como um todo se unam para desenvolver estratégias de prevenção e tratamento eficientes. Investir em saúde mental, promover debates sobre o tema e garantir acesso a atendimento psicológico são passos essenciais. Além disso, é necessário abordar as causas mais profundas da ansiedade nos jovens, como as pressões sociais, a instabilidade econômica e um estilo de vida cada vez mais acelerado. Apenas com um esforço coletivo será possível conter esse avanço preocupante e oferecer às novas gerações um futuro mais equilibrado e saudável.


Boa leitura!


Carlos Vogt

Editor-chefe 


* Em tradução livre:

E se um tanto de qual de um vento der à mentira do verão o alento, sangrar de folhas o sol febril e arrancar as estrelas do céu sutil? Soprar rei a mendigo e rainha ao nada, (soprar amigo a inimigo: o tempo à estrada), quando os céus penderem e os mares morrerem, o único segredo ainda será o homem.


 


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Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024

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