
Entrevista
Antônio Álvaro Soares Zuin
Professor da UFSCar fala sobre o impacto na educação do uso de celulares e de redes sociais. "Há uma compulsão para estar cada vez mais conectado e os jovens têm enfrentado uma dificuldade cada vez maior de focar a atenção", diz. Zuin destaca que, apesar de importante, a proibição do uso do celular nas escolas não é a solução e defende o diálogo entre professores, pais e alunos em busca de alternativas

Sobre
É professor titular do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do grupo de pesquisa Teoria Crítica e Educação.
Atua como editor-chefe da revista "Educação e Sociedade" (Cedes/Unicamp) e é membro do conselho editorial da revista "Pädagogische Korrespondenz" (Alemanha). Foi professor visitante no Departamento de Educação da Universidade de York (Inglaterra) e no Departamento de Educação da Universidade Johann Wolfgang von Goethe (Alemanha).
Graduou-se em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1989), obtendo posteriormente mestrado em Educação pela UFSCar (1993) e doutorado em Educação pela Unicamp (1998), com estágio doutoral na Universidade Johann Wolfgang von Goethe (bolsa DAAD). Realizou pós-doutorados em Filosofia da Educação na Universidade de Leipzig (Alemanha), com bolsas Capes e Fapesp; em Psicologia da Educação na Universidade de York, com bolsas Fapesp e Capes; e em Sociologia da Educação na Universidade Johann Wolfgang von Goethe, com bolsa Capes/Print. Foi um dos autores do livro: “Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, 'pesquisa administrada' e plágio nos tempos da cultura digital” (EDUFBA, 2018), que recebeu a menção honrosa no 5o. Prêmio da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (ABEU), categoria Ciências Humanas, em 2019.
Na UFSCar, exerceu os cargos de chefe do Departamento de Educação, vice-coordenador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação. Também coordenou 24 Comitês Científicos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Possui experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, e desenvolve pesquisas nos seguintes temas: cyberbullying contra professores, inteligência artificial, tecnologias digitais e educação, uso de celulares em salas de aula e Teoria Crítica e educação.
FCW Cultura Científica – Vários pesquisadores, como Jonathan Haidt, da Universidade de Nova York, autor de A Geração Ansiosa, têm alertado para uma epidemia de ansiedade em jovens. A OMS também destacou o problema. O senhor tem notado um aumento de casos de ansiedade e de outros transtornos mentais?
Antônio Álvaro Soares Zuin – A ansiedade é uma reação psíquica e física que, cada vez mais, se intensifica em nossa sociedade. Esse fenômeno está diretamente relacionado ao recrudescimento das forças produtivas, especialmente as vinculadas às tecnologias. No entanto, é importante fazer um contraponto com outras situações históricas e lembrar que, do ponto de vista do nosso desenvolvimento, a ansiedade sempre foi um elemento fundamental, inclusive para a nossa sobrevivência. A ansiedade diante de um perigo motiva uma série de reações físicas e psicológicas que nos permitem lidar com a ameaça, seja enfrentando-a ou fugindo dela. Nesse sentido, a ansiedade, enquanto elemento da nossa constituição fisiológica e psíquica, sempre foi essencial. O problema surge quando ela se transforma em um transtorno, e é aí que precisamos relacioná-la com o período histórico atual.
Há uma diferença abissal entre a ansiedade mencionada anteriormente e a ansiedade contemporânea, principalmente devido ao desenvolvimento das novas tecnologias digitais. Para ilustrar, lembro de uma frase famosa do início dos anos 2000, quando a internet estava se difundindo cada vez mais no Brasil: "Eu ainda não me conectei hoje". Isso ocorria porque era necessário sentar-se, ligar o computador de mesa e esperar a conexão por meio de um modem telefônico. Hoje, essa frase já não faz sentido, pois as novas tecnologias digitais, especialmente o smartphone — que é um computador de bolso — nos mantêm conectados 24 horas por dia. Essa conectividade constante gera ansiedade, pois estamos sempre presentes, respondendo imediatamente às demandas, em qualquer lugar e a qualquer hora. A conexão ubíqua, resultado dessa situação, está diretamente relacionada ao agravamento da ansiedade enquanto transtorno, sendo uma característica marcante da nossa época.
FCW Cultura Científica – Seu artigo “Os celulares, os professores e os alunos” destaca que “a emissão torna-se uma necessidade na sociedade da cultura digital, de tal modo que todos precisam emitir para afirmar a sua própria existência”. No mundo digital, além de não poder se desconectar, é preciso postar sempre. Como fica a ansiedade dos jovens nesse cenário?
Antônio Álvaro Soares Zuin – Esse é um ponto fundamental. Estamos diante de uma nova ontologia, no sentido de entender o que significa o ser e, portanto, de definir nossa identidade. Hoje, se as pessoas não se conectam, é como se tivessem uma não-existência viva, no dizer de Christoph Türcke: elas existem fisicamente, mas é como se não existissem. Isso não se aplica apenas às pessoas, mas também a lugares ou situações de modo geral. Por exemplo, se determinadas situações sociais não estiverem na mídia e à disposição dos acessos feitos principalmente pelas redes sociais, é como se deixassem de existir. Vive-se uma compulsão para estar cada vez mais conectado.
Falamos sobre o celular, mas é interessante destacar que ele surgiu como um aparelho telefônico e que seu movimento revolucionário ocorreu quando se transformou em um computador de bolso. Foi uma revolução dentro da chamada revolução microeletrônica, que começou em meados do século passado e atingiu um momento de grande impacto com a disseminação dos computadores.
Quando os celulares entraram em cena, e depois se transformaram em smartphones com conexão à internet de qualquer lugar e a qualquer momento, ocorreu uma ruptura inédita entre as dimensões p ública e privada na história da humanidade. Por exemplo, até pouco tempo atrás, seria inadmissível entrar em contato com meus alunos e alunas no fim de semana, que a princípio seria um período para descanso. Contudo, atualmente está cada vez mais difícil deixar de entrar em contato todos os dias em função das demandas feitas.
Entretanto, o ato compulsivo de estar sempre conectado tem que estar relacionado com uma disposição interna da pessoa em querer estar conectada, além de estar vinculado às condições do ambiente em que vivemos, pois é a sociedade inteira que exige isso. Um exemplo: tenho uma aluna de Pedagogia que também é confeiteira. Recentemente, em uma aula em que discutimos a questão da conexão ubíqua, ela contou que recebeu, pelo WhatsApp, uma encomenda de bolo depois da meia-noite. Ela não respondeu porque pensou que, se o fizesse, o cliente se sentiria no direito de entrar em contato a qualquer horário, dia ou noite. No dia seguinte, às 7 horas, ela respondeu que faria o bolo, mas a pessoa disse que já havia encontrado outra confeiteira. Ou seja, ela perdeu uma oportunidade profissional por não ter respondido tarde da noite. É o tal 24 por 7, como Jonathan Crary (professor da Columbia University) descreveu em livro com esse título, e que é um exemplo muito ilustrativo da sociedade em que vivemos.
Os adolescentes, com seus celulares, estão inseridos nesse contexto, que é muito mais do que a disposição da própria pessoa. Trata-se de um contexto relacionado também à nossa produção, à forma como produzimos a nossa vida, especialmente nas relações de trabalho. Por isso, é essencial sempre contextualizar o recrudescimento da ansiedade e o ato compulsivo de se conectar com o momento histórico em que estamos vivendo. Os jovens têm enfrentado uma dificuldade cada vez maior de focar a atenção nos conteúdos trabalhados em sala de aula. A própria questão da proibição do celular nas escolas públicas e privadas de ensino médio é uma reação a essa dificuldade crescente que os estudantes têm em se desconectar, mesmo em sala de aula. Na universidade, não há uma proibição explícita do uso de celulares, mas há muitas reações de professores em relação a isso. É um problema muito preocupante e acho que deveríamos desenvolver um estudo sobre uma política de uso desses aparelhos em sala de aula, inclusive na universidade. Os jovens estão inseridos em um contexto em que precisam se conectar o tempo todo e, se não se conectam, há uma produção crescente de ansiedade e aflição, pois é como se estivessem fora do tempo e do espaço, e, portanto, fora de sua identidade, como mencionei anteriormente. O jovem que não está conectado existe fisicamente, mas se não transmite eletronicamente, é como se não existisse.
FCW Cultura Científica – A proibição dos celulares nas escolas não pode fazer com que os jovens fiquem ainda mais ansiosos, uma vez que estão, desde crianças, constantemente com esses aparelhos e sempre conectados?
Antônio Álvaro Soares Zuin – Esse é o ponto-chave da questão. Para responder, precisamos primeiro considerar as diferentes faixas etárias, o que é fundamental, pois não é a mesma coisa lidar com o uso do celular em sala de aula com crianças e com adultos, há diferenças importantes. Não é por acaso que muitos países, em uma tendência crescente, recomendam a proibição do uso de celular até os 12 ou 14 anos de idade, inclusive fora das escolas. Nas escolas, há uma tendência ainda mais forte de proibir o uso do celular em sala de aula, como já vemos na China, nos Estados Unidos, na França e na Alemanha.
Pesquisas realizadas em todo o mundo têm mostrado que não é viável permitir que crianças, pré-adolescentes ou adolescentes fiquem em sala de aula com o celular ligado nas redes sociais. É claro que a tecnologia digital tem um potencial pedagógico incrível, mas com crianças e adolescentes, a realidade é que os docentes precisam ter o controle durante a aula. Isso inclui o controle do acesso dos pais e mães às crianças, já que é comum que eles liguem durante as aulas para perguntar, por exemplo, o que os filhos querem almoçar. Nesses casos, é preciso interromper a aula para que o aluno responda. Isso é o fim da aula e o fim da escola, simplesmente não pode ocorrer.
A partir de uma certa idade, diria que a partir dos 15 anos, poderíamos estabelecer uma espécie de contrato pedagógico em sala de aula, no sentido de fazer com que todos – professores e alunos – mantenham foco nos objetos que estão sendo trabalhados. Manter o foco é o nosso grande desafio hoje, porque, quando a atenção é fragmentada em vários objetos durante a aula, não se consegue desenvolver a concentração e a atenção profunda, que os autores chamam de atenção superficial. O professor pode até perguntar o que explicou há 5 minutos e um aluno conseguirá responder, mas, se for algo dito há 20 ou 30 minutos, muitos não vão lembrar, ainda mais se estiverem usando o celular durante a aula. Para que se desenvolvam conceitos e a capacidade de abstração da realidade de forma mais efetiva, precisamos focar a atenção com profundidade no objeto.
Podemos fazer com que professores e alunas, alunos e professores, conversem e entrem em acordo quanto ao uso do celular na aula, mas apenas em momentos eventuais, como ao buscar informações sobre conceitos ou conteúdos que estão sendo estudados. No entanto, para isso, todos precisam estar juntos, compartilhando a atenção no mesmo objeto, sem fragmentá-la. Esse é um grande desafio. É algo possível de ser realizado, mas, mesmo com meus alunos da universidade, especialmente os do primeiro ano, que têm 17 anos e ainda são, digamos, adolescentes, percebo que está cada vez mais difícil de isso ocorrer. Parte dos alunos tem dificuldade de manter a atenção na aula e, apesar de estarem fisicamente presentes, estão “navegando” por outros lugares.
Sabemos de diversas reações na universidade. Há professores que realizam, por exemplo, 15 encontros por semestre em um curso e, no final de cada encontro, aplicam provas. A ideia é que, se o estudante não prestar atenção, não vai se sair bem na prova. Essa é a melhor solução? Eu acho que não, assim como não é a melhor solução o professor que lava as mãos dizendo que os alunos devem ser exclusivamente responsáveis. A partir de uma determinada idade, é possível dialogar no sentido de apostar na educação, para que essas máquinas possam ser utilizadas coletivamente e não de uma forma absolutamente fragmentada. Mas, com crianças, definitivamente isso não é possível.
FCW Cultura Científica – Por falar de redes sociais, o que o senhor acha da decisão de empresas como X e Meta de enfraquecer ou abandonar as políticas para evitar a difusão de fake news?
Antônio Álvaro Soares Zuin – Essa decisão da Meta de deixar de checar notícias é extremamente problemática, para dizer o mínimo, porque a tendência é que, cada vez mais, tenhamos a reprodução de fake news e a disseminação de preconceitos delirantes, como homofobia, misoginia, machismo, racismo e posições anticiência. Esses elementos destroem o tecido social que nos constitui como seres humanos emancipados. É uma decisão pavorosa, para usar um termo mais forte, e que se alinha a uma situação mundial de recrudescimento de posições de extrema direita, como é o caso atual dos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump.
Além disso, temos que destacar que as plataformas de redes sociais são orientadas principalmente pela monetização das informações e das imagens disseminadas. Mensagens de ódio e preconceituosas tendem a ser mais atraentes do ponto de vista dos estímulos audiovisuais e, ao serem mais visualizadas, são mais monetizadas pelas redes sociais. É uma questão de mercado que, infelizmente, está inserida nesse contexto de maneira muito enfática. Acho que o governo brasileiro faz muito bem em reagir contra isso. Imediatamente após a decisão da Meta, tivemos uma reação do Supremo Tribunal Federal, com ministros destacando que a internet não pode ser um espaço sem lei, nem um espaço que solape a possibilidade de consolidar os direitos humanos no ambiente virtual e presencial. Essa é uma questão fundamental.
Em relação aos jovens, vejo isso com muita preocupação, porque fake news, antes de mais nada, são notícias fragmentadas que acabam sendo completamente descontextualizadas do cenário histórico em que foram produzidas. Quando temos, por exemplo, uma imagem manipulada por meio de deep fake, e não conseguimos discernir o que é real do que é falso, esse tipo de situação pode afetar imediatamente a percepção dos jovens, que, ao aderirem a uma informação fragmentada e descontextualizada, acabam considerando-a como a verdade e contribuindo para a disseminação da desinformação. Temos aí uma questão ontológica importante.
Em pesquisas que realizei, com apoio da Fapesp e do CNPq, sobre manifestações de cyberbullying de alunos em relação a professores e professoras – e que deram origem ao livro Fúria narcísica entre alunos e professores: as práticas de cyberbullying e os tabus presentes na profissão de ensinar –, observei que as imagens mais agressivas eram justamente as mais acessadas e comentadas, principalmente pelos jovens, e isso em escala mundial. Para se ter uma ideia, houve um vídeo brasileiro que exibiu uma situação de humilhação de um professor e que se tornou viral, com mais de 2 milhões de acessos. Depois de algum tempo, o vídeo foi republicado com termos em inglês, como “teacher cell phone”, e repercutiu em vários países, com mais de 600 mil visualizações e centenas de comentários em inglês sobre a situação de humilhação.
A escola, enquanto instituição, é fundamental para que os debates sobre as consequências da disseminação de fake news se tornem cada vez mais presentes. É importante que os jovens compreendam que não precisam se afirmar como pessoas ao aderir a estímulos audiovisuais agressivos. Isso deve ser fomentado na relação da escola com a família e comunidade, e os governos precisam estabelecer regras para isso. Nesse ponto, o Brasil ocupa uma posição fundamental no mundo, embora também haja movimentos de reação na Comunidade Europeia, eles não têm ocorrido de forma tão rápida e imediata. Esses movimentos são essenciais para que os jovens percebam que não precisam recorrer à agressão, seja no plano físico ou virtual, para se afirmar.
FCW Cultura Científica – Empresas de tecnologia estão desenvolvendo dispositivos que em alguns anos poderão substituir os celulares, seja na forma de óculos, fones ou implantes, por exemplo. Isso, somado à evolução da inteligência artificial, fará com que a discussão sobre o aumento da ansiedade em jovens por conta do uso da tecnologia passe para um novo patamar. O que podemos fazer nesse sentido?
Antônio Álvaro Soares Zuin – As inteligências artificiais estão cada vez mais presentes, mas já representam um problema com o qual estamos nos defrontando nas escolas. Um exemplo é o uso do ChatGPT por parte dos estudantes para redação de trabalhos. O uso da inteligência artificial e das novas tecnologias que virão é irreversível, e teremos que aprender a lidar com isso. Mas veja a questão do ChatGPT, como é interessante, porque permite obter informações e dados importantes em dois segundos, uma vez que os algoritmos processam grandes quantidades de dados, reúnem e articulam textos, prevendo a palavra mais adequada em uma sequência com base na pergunta feita. Isso é uma tecnologia revolucionária. Contudo, a pergunta que faço é: que tipo de consciência moral vamos desenvolver, para nós e para as relações que temos com quem educamos, seja na escola ou na família? Essa é uma questão decisiva, além do problema do plágio, que também é muito preocupante, no que diz respeito à captura de informações e ao uso delas como se fossem suas, algo que alguns estudantes já fazem para entregar um trabalho. O estudante pergunta à máquina, ela responde e ele entrega o trabalho. Então, além do plágio, temos uma espécie de esfacelamento do contrato pedagógico, pois a tecnologia está sendo usada para elaborar um texto e entregar um trabalho. Para que isso aconteça, deve haver uma disposição interna baseada numa consciência moral, no sentido de pensar que isso não é eticamente adequado.
Por conta disso, a partir de determinadas faixas etárias, é fundamental que professores e professoras dialoguem cada vez mais com os estudantes, no sentido de procurar desenvolver esse tipo de questão, principalmente do ponto de vista ético e moral, em relação ao uso de tecnologias como a inteligência artificial para realizar trabalhos acadêmicos. Isso porque, se cada professor e professora tiver que verificar, por meio de programas específicos, se há plágio ou não, o que, além de difícil, toma muito tempo, isso levará a uma paranoia incrível. Penso que não podemos desistir dos contratos pedagógicos a serem construídos junto com os alunos e alunas, de tal modo que os focos de atenção dos corpos docentes e discentes estejam focados no mesmo objeto de estudo, e não fragmentados em vários objetos, o que engendra o denominado comportamento multitarefa. Se desistirmos, será o fim, como descrevi no artigo “O Celular na Sala de Aula e o Fim Pedagógico”. Pode ser o fim enquanto finalidade e também o fim do próprio processo pedagógico.
FCW Cultura Científica – O senhor conduziu, em colaboração com colegas da Alemanha, um projeto de pesquisa que investigou os processos formativos de estudantes universitários brasileiros e alemães por ocasião da pandemia da Covid-19. Poderia falar sobre esse trabalho e como a pandemia afetou o processo educacional e a ansiedade dos estudantes, particularmente no período de confinamento social?
Antônio Álvaro Soares Zuin – Essa pesquisa, que conduzi junto com os professores Luiz Antonio Calmon Nabuco Lastória, da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Araraquara, Luiz Roberto Gomes, do Centro de Educação e Ciências Humanas da UFSCar, e Merle Hummrich, do Cornelia Goethe Centrum, foi realizada em 2020 e 2021, respondendo a uma iniciativa da ONU em parceria com várias agências de fomento a pesquisas no mundo, como a Fapesp, de quem tivemos apoio. A ideia da iniciativa Research Roadmap for the COVID-19 Recovery foi realizar um mapeamento de pesquisas nas áreas de saúde, exatas e humanas, com foco no contexto de recuperação dos problemas causados pela Covid-19 e, principalmente, pelo confinamento social. Em nossa pesquisa, fizemos uma comparação entre os estudantes de Pedagogia e de Computação da UFSCar e os de Pedagogia e Computação da Goethe-Universität Frankfurt. Investigamos como se deu a relação professor-aluno durante o período de confinamento, quais tipos de sofrimento psíquico puderam ser observados e que tipo de cidadania digital poderia ser fomentada, dado o contexto de disseminação maciça de fake news contra as vacinas, como vimos aqui no Brasil.
Sintetizando alguns dos resultados, conseguimos comprovar estatisticamente, por meio de software para análise multifatorial de correspondências múltiplas e de entrevistas com estudantes, que, quanto mais houve interações entre professores e estudantes, os índices de ansiedade e depressão dos estudantes caíram vertiginosamente, enquanto os índices de aprendizado de conteúdo e o desenvolvimento de uma consciência digital crítica aumentaram. Era o período de lockdown, mas, quando os professores perguntavam como os estudantes estavam, se tinham algum tipo de problema, se havia computadores disponíveis em casa, essas perguntas impactaram a interação que os estudantes tiveram com os professores durante as aulas e permitiram estabelecer, por exemplo, uma relação adequada entre tempo e redação de trabalhos. Isso ocorreu principalmente no curso de Pedagogia da UFSCar. Para efeito de comparação, no curso de Computação da Alemanha não houve aulas online. Os professores gravaram aulas ou pegaram cursos da internet e disponibilizaram aos alunos. O que foi observado em termos de sofrimento psíquico? Um recrudescimento da ansiedade e da depressão, além de uma queda no aprendizado de conteúdo.
Então, olha que interessante, as pessoas estavam separadas fisicamente, mas dependendo da qualidade da interação dos professores com os estudantes, eles puderam estar muito mais próximas. Uma das conclusões que tiramos da pesquisa é que aulas gravadas só podem servir como último recurso, porque as aulas online se mostraram muito melhores tanto em relação à aprendizagem do conteúdo quanto da redução do sofrimento psíquico, principalmente da ansiedade e da depressão.
FCW Cultura Científica – Professor, esse é um bom exemplo de que o problema não é a tecnologia, mas o uso que se faz dela.
Antônio Álvaro Soares Zuin – Sem dúvida, após a experiência intensa com a tecnologia durante o lockdown, hoje, no chamado "novo normal", estamos tendo que nos readaptar ao ambiente educacional com situações de contato presencial. Nesse sentido, muitos dos instrumentos que utilizamos durante o confinamento social podem continuar a ser aproveitados. Por exemplo, usamos bastante durante a pandemia a classe virtual, um recurso tecnológico onde colocamos todos os textos do curso, o programa e diversos materiais. Esse espaço também é utilizado pelos estudantes para se manifestarem. São recursos que, mesmo após a pandemia, continuam muito importantes. Eles são elementos valiosos para o processo formativo e permitem aos docentes se aproximarem mais, do ponto de vista presencial, dos alunos e alunas.
O propósito de toda a tecnologia, desde os seus primórdios, é fazer com que as pessoas se aproximem mais presencialmente. O problema surge quando ela se torna tão hegemônica que, enquanto comunicação secundária, se transforma em comunicação primária. A comunicação primária é, de fato, a comunicação presencial. Por isso, a escola é uma instituição fundamental a ser preservada, tendo em vista sua presencialidade e o processo de socialização que só ocorre na relação direta entre as pessoas na escola. Em nossa pesquisa, os estudantes dos quatro cursos disseram unanimemente que sentiam falta do contato presencial, da socialização com os colegas e com os professores.
A tecnologia digital, que é uma comunicação secundária, pode ajudar a melhorar a comunicação primária. Um exemplo disso é uma das alunas do curso de Pedagogia, que afirmou que, durante o período de lockdown, se sentiu muito próxima dos professores, dizendo: "Porque todos estavam no mesmo barco, mas agora parece que não mais, estamos em barcos diferentes". Não precisa ser assim. A tecnologia pode nos ajudar a estar no mesmo barco presencialmente.
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Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024