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Entrevista

Anna Lucia Spear King

Professora da UFRJ e fundadora do Instituto Delete explica como as tecnologias digitais se relacionam com a dependência, como transtornos como a ansiedade, depressão e compulsão podem ser potencializados pelo uso de celulares e redes sociais e como pais e educadores podem lidar com o grave problema, que atinge especialmente os mais jovens

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Sobre

É psicóloga com mestrado (2008) e doutorado (2013) em Saúde Mental pelo Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professora da pós-graduação do IPUB/UFRJ em Dependência Digital – benefícios e prejuízos relacionados à interatividade dos indivíduos com as tecnologias digitais no cotidiano e temas relacionados. Realiza pesquisas científicas e orienta alunos da pós-graduação/IPUB/UFRJ no tema.

Realizou pós-doutorado júnior em Dependência Digital pelo CNPq (2013-2015), pós-doutorado em Dependência Digital (2015-2018), e pós-doutorado sênior Faperj (2018-2019). É especialista em Assistência ao uso Indevido de Álcool e Drogas pelo Programa de Assistência ao Usuário de Álcool e Drogas (Projad/IPUB/UFRJ).

Atua como psicóloga clínica com ênfase em terapia cognitivo – comportamental com crianças, adolescentes e adultos nos seguintes temas: transtornos mentais, dependência digital, transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de fobia social, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão, estresse, alcoolismo, uso de drogas, jogo patológico digital.

Autora dos livros “Nomofobia – Dependência de tecnologias, computador/internet, redes sociais, telefone Celular, WhatsApp, Games, entre outros" (Editora Atheneu); “Etiqueta Digital”, “Cartilha Digital (Infantil)" e “Ergonomia Digital" (EducaBooks); e “Novos Humanos 2030. Como será a humanidade em 2030 convivendo com as tecnologias digitais?" (Editora Barra Livros).

Em 2013, criou o Instituto Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, que presta orientação, informações e atendimento médico, psicológico, fisioterapêutico e grupos de uso consciente de tecnologias direcionados a usuários excessivos e/ou dependentes de tecnologias.

FCW Cultura Científica  O Instituto Delete se dedica a pesquisas sobre o impacto das tecnologias na saúde e faz avaliação clínica e tratamento da dependência digital. Como as tecnologias digitais se relacionam com a dependência?

Anna Lucia Spear King  Fundamos o Instituto Delete em 2013, no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), porque, na época, já observávamos a chegada de muitos pacientes com ansiedade, nervosismo e angústia relacionados ao uso das redes sociais. Desde então, trabalhamos com temas relacionados à interação dos indivíduos com as tecnologias.


As redes sociais atuam na região do cérebro responsável pela dependência, no sistema de recompensa, onde também operam as dependências de álcool e drogas. A dependência digital é considerada a dependência do mundo moderno – não envolve substâncias ingeridas, mas age nesse mesmo sistema de recompensa, liberando endorfinas, serotonina e dopamina, que são substâncias químicas associadas à sensação de prazer. A tendência da pessoa dependente é repetir a mesma prática que lhe proporcionou essa sensação agradável. Se a pessoa está no computador ou no smartphone recebendo curtidas, elogios e novidades, experimenta uma sensação de bem-estar gerada pela liberação dessas substâncias no cérebro.


No caso da dependência de substâncias químicas, recomendamos que a pessoa deixe de consumir álcool e drogas, por exemplo. As tecnologias, por sua vez, estão tão presentes em situações práticas do nosso dia a dia – como aplicativos de mensagens e serviços bancários – que não podem simplesmente ser retiradas de nossas vidas. Nesses casos, recomendamos o uso consciente. Promovemos conhecimento sobre educação digital para que as pessoas utilizem a tecnologia de forma equilibrada, aproveitando seus benefícios e evitando os prejuízos causados pelo uso excessivo.


FCW Cultura Científica Como diferenciar o uso excessivo das tecnologias de uma dependência patológica das mídias digitais?

Anna Lucia Spear King  Existe uma diferença entre a dependência normal da tecnologia, que temos por lazer ou trabalho, mesmo que configure um uso excessivo, e a nomofobia, que é a dependência patológica da tecnologia e exige tratamento psicológico e psiquiátrico. No Instituto Delete, todas as sextas-feiras pela manhã, oferecemos um serviço de avaliação mediante agendamento. Isso porque somente a análise de profissionais especializados nas áreas psicológica e psiquiátrica pode fazer essa diferenciação. Nessa avaliação, é verificado se o caso envolve apenas um uso inadequado das tecnologias ou se realmente há um transtorno emocional associado.


A dependência digital, devido à natureza da atividade tecnológica, está relacionada não apenas aos estímulos que recebemos constantemente, mas também à personalidade de cada indivíduo. Por exemplo, se uma pessoa tem baixa autoestima, poucas habilidades sociais e necessidade de autoafirmação, ela pode buscar nas redes sociais elogios e apoio para suas opiniões. As tecnologias, portanto, são apenas um canal onde essas características se manifestam. No entanto, se a pessoa já possui algum transtorno emocional, o uso das tecnologias digitais pode acentuar um problema que, de outra forma, talvez não se tornasse tão evidente.


FCW Cultura Científica Transtornos emocionais como a ansiedade, depressão ou compulsão podem portanto ser potencializados pelas tecnologias, levando à dependência?

Anna Lucia Spear King  Diversos transtornos podem estar associados à dependência digital e são amplamente potencializados pelo uso da tecnologia. Se a pessoa já possui um comportamento compulsivo, por exemplo, ela pode entrar na internet e desenvolver um vício em compras. Isso ocorre porque o transtorno já existe previamente. Nesses casos, é essencial que ela receba o tratamento adequado, pois não basta apenas ensinar um uso mais equilibrado da tecnologia. Temos que tratar o transtorno de origem, realizar acompanhamento psicológico e, simultaneamente, promover a educação digital, oferecendo conhecimento sobre limites e regras para o uso consciente da tecnologia no dia a dia.


Todas as pessoas apresentam algum nível de ansiedade. No entanto, alguém com um quadro de ansiedade dentro da normalidade pode, ao começar a trabalhar com redes sociais ou a utilizá-las com maior frequência, desenvolver uma ansiedade patológica. Nesse contexto, a internet pode servir como gatilho, intensificando algo que já existia e tornando-o mais evidente.


A depressão, que está relacionada à química cerebral, é outro exemplo. Nas redes sociais, as pessoas costumam compartilhar a versão idealizada de suas vidas, e não necessariamente a realidade completa. Se alguém com depressão acredita naquele mundo maravilhoso que todo mundo tem, menos ela, e passa a se comparar constantemente, seu quadro pode piorar. Por outro lado, se essa mesma pessoa encontra acolhimento na internet, como em grupos de apoio, pode experimentar uma melhora, pois se sente menos sozinha e mais pertencente a um grupo. Dessa forma, os impactos da tecnologia variam de acordo com as características individuais de cada pessoa, bem como com a interação e os estímulos que ela recebe nas redes.


O mesmo acontece com o alcoolismo e a dependência de drogas. Muitas pessoas conseguem frequentar festas ou tomar um chopp no fim de semana sem que isso se torne um problema patológico. No entanto, fatores genéticos ou questões emocionais podem levar à dependência. Vazios emocionais, perdas, lutos mal resolvidos e dificuldades em lidar com essas situações podem fazer com que algumas pessoas busquem refúgio no álcool ou nas drogas. O mesmo princípio se aplica às mídias digitais.


FCW Cultura Científica  Nesse contexto, os jovens seriam mais vulneráveis aos estímulos intensos que as tecnologias e redes sociais provocam?

Anna Lucia Spear King  Com certeza. A adolescência é naturalmente uma fase de muitas inseguranças, devido às transformações físicas e psicológicas. É um período de mudanças, no qual as críticas podem causar grande sofrimento. Além disso, as redes sociais impõem modelos e padrões de aceitação. O jovem que se sente excluído ou não pertencente pode desenvolver sentimentos de angústia, ansiedade, nervosismo e tristeza.


Quando não existiam smartphones ou redes sociais, as críticas e rejeições aconteciam principalmente no ambiente escolar e, de certa forma, em menor escala. Ao chegar em casa, a pessoa podia se sentir protegida. Hoje, no entanto, com o celular sempre à mão, é possível receber críticas, comparações e ofensas a qualquer momento, 24 horas por dia.


Para se ter uma ideia, temos pacientes que sentem pânico ao abrir o WhatsApp. Pode parecer algo opcional – se a pessoa tem pânico de acessar redes sociais ou o WhatsApp, bastaria não entrar. Mas não é assim que funciona. Existe uma cobrança social constante e, mais uma vez, se o jovem não participar, pode se sentir excluído e não pertencente ao grupo.


FCW Cultura Científica – Com as mídias sociais cada vez  mais presentes na vida dos jovens, e cada vez mais cedo, como os pais e cuidadores podem lidar com essa questão?

Anna Lucia Spear King Temos que ter em perspectiva que os adultos são responsáveis pela vida digital dos jovens. Quando pais, cuidadores e familiares não sabem lidar com a educação digital, deixando de estabelecer limites e regras desde cedo, o jovem – que ainda é imaturo do ponto de vista do desenvolvimento neurológico – torna-se mais suscetível. Ele entra no mundo digital, passa a ser intensamente estimulado e, devido à química cerebral, sente cada vez mais necessidade de permanecer imerso nesse ambiente.


No Instituto Delete, recebemos usuários excessivos e dependentes de tecnologia para orientação, avaliação e tratamento. Muitas vezes, os pais que acompanham seus filhos alegam que eles mesmos estão viciados. No entanto, o uso excessivo das tecnologias pode ser consequência da falta de orientação e de limites estabelecidos, e não necessariamente um caso de dependência digital.


Muitos pais ainda são "ignorantes digitais", pois essa é uma realidade relativamente nova – a geração dos cuidadores atuais não cresceu nesse contexto. Desde pequenos, recebemos uma educação social transmitida por nossos pais, mas não uma educação digital estruturada. De modo geral, a sociedade ainda não sabe utilizar a tecnologia de forma equilibrada. É por isso que o Instituto Delete tem como missão principal orientar a população para o uso consciente da tecnologia por meio da educação digital.


FCW Cultura Científica  Como você avalia a proibição do uso de telas nas escolas?

Anna Lucia Spear King  Sou muito a favor do uso da tecnologia por parte dos professores para a realização de atividades escolares, como visitas virtuais a museus, entre outras. No entanto, defendo que os jovens não tenham acesso irrestrito às tecnologias dentro das escolas. Eles estão em fase de formação e, nesse período, é essencial que corram, pulem, brinquem, tomem sol e interajam, especialmente com outros jovens da mesma idade. A interação é fundamental para que aprendam a compartilhar, desenvolver a comunicação, perder a timidez e resolver conflitos.


Em casa, por sua vez, é fundamental oferecer muita orientação – estabelecer momentos adequados para o uso do celular e monitorar o que os jovens acessam e com quem conversam. Afinal, a internet é uma porta aberta para um mundo repleto de diversidade, onde circulam pessoas com diferentes crenças, ideias e intenções. Para indivíduos despreparados, especialmente os mais jovens e imaturos, é muito fácil cair em armadilhas criadas por pessoas com más intenções.


Agora, se as restrições ao uso do celular em casa ou na escola desencadearem uma crise de ansiedade, por exemplo, é necessário realizar uma avaliação psicológica ou psiquiátrica para entender a causa do problema. É preciso verificar se há um transtorno emocional associado que demanda atenção ou se se trata apenas de uma reação natural à imposição de regras e limites.


FCW Cultura Científica  O Instituto Delete oferece, além de avaliação clínica e tratamento, uma série de materiais informativos e publicações sobre o uso consciente das tecnologias e educação digital. Você poderia falar um pouco sobre esses materiais? 

Anna Lucia Spear King Temos sete livros publicados sobre esses temas e construímos toda uma teoria a respeito do assunto. O primeiro livro foi sobre a nomofobia, que é a dependência patológica da tecnologia. Eu trouxe esse tema para o Brasil em 2008 e, desde então, começamos a nos aprofundar nele. Esse livro é composto por capítulos escritos por diversos especialistas do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, onde desenvolvemos todo esse pensamento sobre como lidar com a interatividade entre tecnologias e indivíduos.


O livro Etiqueta Digital, por sua vez, ensina sobre educação digital e como utilizar as tecnologias de maneira adequada em todas as áreas da vida – pessoal, social, familiar e profissional. Em seguida, publicamos Ergonomia Digital, que orienta sobre as posturas corporais adequadas para o uso de cada tecnologia, considerando seu tamanho e peso. O livro traz dicas sobre como utilizar dispositivos digitais – como computadores de mesa, celulares e laptops – de forma a prevenir problemas na coluna cervical e lesões por esforço repetitivo, causadas pelo uso do teclado ou do mouse. Já Cartilha Digital é um livro infantil, feito para que os pais leiam junto com as crianças, introduzindo-as desde cedo à educação digital.


Por fim, temos um livro com 15 escalas validadas em português, inglês e espanhol para pesquisa sobre dependência de tecnologias e redes sociais, como Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp. O Instituto Delete também atua como um laboratório de pesquisa, contando com alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado especializados nessa área. Para conduzir essas pesquisas, era essencial dispor de instrumentos validados, que não existiam até então. Por isso, realizamos a validação científica dessas escalas, publicamos artigos sobre o tema e reunimos esse conhecimento em um livro que, hoje, é utilizado no mundo inteiro.



 


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Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024

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