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Entrevista

Carlos Nobre

Pioneiro nos estudos sobre mudanças climáticas, cientista alerta para a intensificação dos problemas promovidos pelo aquecimento global, como ondas de calor, secas, enchentes e mudanças no uso da água. Cortar a emissão de gases de efeito estufa e praticar a agropecuária regenerativa são ações imprescindíveis para o futuro do planeta

Sobre

Carlos Afonso Nobre é pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da USP, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, coordenador do estudo para a criação de um Instituto de Tecnologia da Amazônia e proponente do Projeto Amazônia 4.0.

Foi presidente da Capes e secretário de Políticas de P&D do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Foi diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais e Alto Conselheiro Científico do Panel on Global Sustainability da ONU. É membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências e membro estrangeiro da Academia de Ciências dos Estados Unidos e da Royal Society da Grã-Bretanha. Foi o primeiro brasileiro a se tornar um Guardião Planetário.

Foi pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, onde coordenou o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, o Centro de Ciência do Sistema Terrestre e foi criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Foi cientista chefe do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia.

Graduou-se em engenharia eletrônica (1974) no Instituto Tecnológico da Aeronáutica, fez doutorado em meteorologia (1983) no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e pós-doutoramento (1989) na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, coordenador do INCT para Mudanças Climáticas e recebeu o Prêmio FCW em Ciências - Meio Ambiente, em 2007.

FCW Cultura Científica – Sabemos há décadas que o mundo está se aquecendo, mas por que agora os eventos climáticos e eventos extremos estão se intensificando? 

Carlos Nobre – Em junho, uma onda de calor com temperatura perto de 52 °C durante a peregrinação a Meca, na Arábia Saudita, matou 1.300 pessoas em um dia. Houve recentemente mortos por ondas de calor também nos Estados Unidos e na Europa. Antes, em maio, tivemos o desastre com as enchentes no Rio Grande do Sul. Isso tudo apenas este ano. Os extremos já estão conosco, em todo o mundo e em uma frequência que nunca vimos, eles estão explodindo. O aumento nos eventos extremos é exponencialmente um fator do aquecimento global, não é algo linear. Quando a temperatura média global subiu 1 °C do patamar em que estava no século 19, tivemos um tipo de aumento nos eventos extremos. Quando passamos de 1 °C para 1,5 °C, como aconteceu em 2023 e em 2024, não houve apenas um pequeno aumento nos eventos. Esse meio grau a mais fez mais do que dobrar muitos eventos extremos, porque quando a temperatura fica mais alta os oceanos se aquecem, aumenta demais a evaporação de água e o vapor de água dos oceanos é o combustível de quase todas as chuvas que ocorrem no mundo. Então, a resposta não é linear. E, se chegarmos ao 2 °C de aumento, não será somente o dobro dos efeitos, será três a quatro vezes mais. Uma temperatura de 2 °C e 3 °C acima do padrão da época pré-industrial é algo que ocorreu apenas há dezenas de milhões de anos, quando os humanos não existiam e o planeta era muito diferente.


FCW Cultura Científica – Que consequências podemos esperar se o planeta ficar 3 °C ou 4 °C mais quente até o fim do século?  

Carlos Nobre – Se chegarmos a 4 °C de aumento na temperatura média global, uma grande parte do planeta se tornará inabitável aos humanos. Vamos ultrapassar a temperatura a que o corpo é capaz de resistir. Com 4 °C a mais, áreas tropicais, áreas costeiras e latitudes médias durante o verão passarão do limite que o corpo tem de perder calor. Nós perdemos calor por energia radiativa quando a temperatura do ar está abaixo da temperatura corporal e transpiramos quando a temperatura está alta. Essa é a maneira de perder calor. A água líquida nos poros pega o calor da pele para evaporar e esfria a pele. Se chegarmos a uma elevação de 4 °C, estaremos em um cenário inédito durante a evolução. Nosso corpo não tem como se adaptar e não há solução biológica para isso. Seria preciso “vestir um ar-condicionado”, mas não dá para imaginar bilhões de pessoas com roupas do tipo, consumindo uma energia gigantesca. A maioria das casas no Brasil não tem ar-condicionado. Quando está muito quente não adianta apenas ter ventilador, precisamos de ar-condicionado para baixar a temperatura do local. Vários estudos indicam que, com um aumento de 4 °C, toda a região tropical no nível do mar e as regiões de latitudes médias no nível do mar no verão se tornarão inabitáveis. Tudo isso vai explodir se o planeta continuar aquecendo e nós não estamos preparados.


FCW Cultura Científica – Quais são os impactos das ondas de calor cada vez mais frequentes?

Carlos Nobre – Muito antes de chegar aos 4 °C de aumento na temperatura média global teremos uma explosão de ondas de calor, como já estamos vendo. As ondas de calor estão batendo recordes de milhões de anos. Ondas de calor como a que ocorreu em Meca têm um grande impacto na saúde e são o que mais leva à morte entre os extremos climáticos. A imprensa mostra muitas pessoas afetadas por deslizamentos em encostas ou inundações, mas o número de mortes por ondas de calor é muito maior. A Organização Mundial de Saúde está tentando aperfeiçoar os sistemas médicos até mesmo para estimar o número de mortos, porque a maioria dos atestados de óbito não registra que a origem da causa da morte foi onda de calor. Os médicos colocam doença cardiovascular, pulmonar, desidratação ou falência nos rins, por exemplo, mas não que no caso daquela pessoa geralmente idosa ou criança o início da causa de morte foi uma onda de calor. 


FCW Cultura Científica – Que outras consequências teremos com a constante elevação nas temperaturas? 

Carlos Nobre – São muitas as consequências dos eventos, como secas gigantescas com uma grande mudança no uso da água. Teremos graves problemas de abastecimento de água, seja para consumo ou na irrigação para a agricultura. Secas têm um impacto gigantesco na produção agrícola. Nós tivemos agora a maior seca da história na Amazônia e uma super-seca no Cerrado, que levou à maior queda na produção dessas regiões no período 2023-2024. Temos também chuvas excessivas como as que atingiram o Rio Grande do Sul. O nível do mar aumenta e as ressacas estão ficando cada vez mais fortes. Ressacas são ondas originadas por tempestades sobre o oceano. Quando o vento da tempestade transfere a energia para o oceano, gera uma onda chamada de onda de gravidade que se propaga e estoura quando chega na praia. 


FCW Cultura Científica – As ondas de calor e as chuvas deste ano não podem ser atribuídas somente a fenômenos naturais como o El Niño?

Carlos Nobre – A grande surpresa e preocupação mundial foi que a ciência previu, em função do El Niño, que em 2023 o aumento na temperatura chegaria a 1,3 °C, depois do 1,2 °C em 2022. Em 2016, foi a temperatura mais alta registrada, porque o El Niño foi mais forte, e chegou a 1,26 °C. Como o El Niño desta vez não foi tão forte quanto em 2015-2016, centros de pesquisa no Brasil, Estados Unidos e Europa previram que a temperatura em 2023-2024 chegaria ao 1,3 °C de aumento, o que seria o ano mais quente já registrado, mas a temperatura média global em 12 meses chegou a 1,6 °C acima da média pré-industrial. Agora, pode esfriar um pouco com o La Niña, mas ainda assim não vai cair muito. Então, foi uma surpresa. A ciência previu que poderíamos atingir 1,5 °C em 2030 mas agora já se estima que chegaremos a 1,5 °C a mais permanentemente antes de 2028. A ciência é uma ciência robusta, há milhares de pesquisadores tentando explicar porque em 2023-2024 a temperatura foi 0,2 a 0,3 °C acima do que se previa. As emissões dos gases de efeito estufa de 2022 para 2023 aumentaram cerca de 1%. Com 1% de aumento, teríamos um aumento na temperatura de 0,015 °C, mas foi 20 vezes mais. 



FCW Cultura Científica – Nesse cenário a diminuição drástica das emissões de gases de efeito estufa é fundamental?

Carlos Nobre – Há uma preocupação e um medo muito grandes de que a temperatura chegue em 2050 com uma média global de 2,5 °C acima do período pré-industrial. A ciência está chamando atenção para isso faz tempo. Estamos reduzindo as emissões? Não. As emissões dos gases de efeito estufa continuam altas e precisamos zerá-las o mais rapidamente possível. Com o que vimos em 2023 e estamos vendo em 2024, deixar para zerar as emissões apenas em 2050 não vai mais ser suficiente. Além disso, a China se comprometeu a zerar depois, em 2060, e a Índia em 2070. Esses dois países juntos são responsáveis por 30% das emissões nos últimos anos. É um cenário muito perigoso. As metas que os países colocaram na COP 26, em 2021, em Glasgow, vão levar a temperatura no mínimo a 2,5 °C a mais. Com o que vimos em 2023 e 2024, pode ser até acima disso. É uma preocupação gigantesca e a adaptação é muito difícil. Isso que aconteceu em Meca é um exemplo, se a temperatura começar a bater esses recordes, se chegar a 50 °C em um monte de lugares, milhões de pessoas vão morrer. 


FCW Cultura Científica – Quais são os impactos da queima de combustíveis fósseis?

Carlos Nobre – A principal fonte de poluentes atmosféricos é a queima de carvão, de petróleo, diesel, gasolina e de outros combustíveis. Somada à queima de florestas, emissões da agropecuária, representam quase 100% dos poluentes. Além de causar a superemergência climática, a queima de combustíveis fósseis gera a poluição urbana que mata 7 milhões de pessoas por ano no mundo. É um problema de saúde terrível e se zerarmos a queima dos combustíveis fósseis, melhoramos muito a saúde, a qualidade e a expectativa de vida. Um grande cientista da Faculdade de Medicina da USP, o professor Paulo Saldiva, vem há décadas fazendo uma pesquisa belíssima sobre como a poluição afeta a saúde e a expectativa de vida da população paulistana. Isso vale para o mundo todo. Na China, na região de Beijing, a expectativa de vida estava caindo por causa da poluição da queima de combustíveis fósseis, mas desde que se começou a tirar termelétricas a carvão da região, a expectativa de vida parou de cair. 


FCW Cultura Científica – Que medidas urgentes países e governos devem adotar para enfrentar a crise climática?

Carlos Nobre – Não podemos deixar a temperatura passar muito de 1,5 °C. Ficar em 1,5 °C já é quase impossível, mas precisamos não passar muito, não deixar chegar a 2 °C. Há vários estudos que estão sendo feitos sobre isso e que deverão ser divulgados até a COP 29, que será realizada em novembro no Azerbaijão. Estimo, minha opinião, que esses estudos indicarão a necessidade de zerar as emissões no máximo até 2040. Na COP 21, em 2015, e na COP 26, em 2021, falou-se em zerar as emissões líquidas até 2050, para não passar de 1,5 °C de aumento, mas vamos atingir esse patamar já nos próximos anos, então as novas metas precisam ser muito mais ambiciosas. Acho que não pode passar de 2040 para zerar as emissões líquidas e, em seguida, iniciar as emissões negativas, ou seja, remover gás carbônico da atmosfera e diminuir muito as emissões do metano. O metano tem um tempo de residência muito curto na atmosfera, de 10 a 12 anos, mas o aquecimento promovido pelo metano é 70 vezes mais poderoso do que o do gás carbônico. Se reduzirmos rapidamente o metano o aquecimento vai cair. E também, claro, reduzir o gás carbônico, que tem um tempo de vida de séculos. Depois de 2040, precisamos de grandes projetos, por exemplo, de restauração florestal, pois com as florestas crescendo a fotossíntese remove o gás carbônico. Se conseguirmos zerar as emissões até 2040, a temperatura vai passar um pouco de 1,5 °C, vai chegar a 1,7 °C ou 1,75 °C e, depois, com a retirada do gás carbônico da atmosfera e a diminuição da emissão do metano, em poucas décadas voltaremos para menos de 1,5 °C. Depois, retirar uma grande quantidade de gás de efeito estufa da atmosfera, principalmente o gás carbônico, para que a temperatura caia para menos de 1 °C de aumento em 2100. A concentração do gás carbônico tem que cair abaixo de 360 partes por milhão. Antes do aquecimento global eram cerca de 280 partes por milhão, mas no início de 2024 atingimos 426 partes por milhão. Isso é o que precisamos fazer, mas, por enquanto, é apenas um sonho.


FCW Cultura Científica – Quais são as pedras no caminho, quais são os principais obstáculos políticos e econômicos para uma ação climática global?

Carlos Nobre – Um aspecto político muito perigoso é o crescimento do populismo. A grande maioria dos políticos populistas é negacionista, como Donald Trump, que tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris quando foi presidente e disse que vai tirar de novo se for reeleito. Há uma grande preocupação mundial de ele ser eleito agora em novembro, porque ele também disse que vai autorizar novas explorações de petróleo, de gás natural e de carvão nos Estados Unidos, o que será um sinal de abertura para toda a indústria em um país que, historicamente, é o que mais emitiu gases de efeito estufa. Outro obstáculo é que a velocidade da transição para zerar as emissões e torná-las negativas está muito lenta. As tecnologias já foram criadas, 70% das emissões são de combustíveis fósseis e hoje as tecnologias de energias renováveis estão disponíveis. É possível dar escala? Hoje, energia solar, eólica e biocombustíveis são bem mais baratos, em todos os sentidos, do que energias fósseis. Então, é possível sim dar escala, precisa de muitos investimentos, mas é possível. Até mesmo o hidrogênio verde, que hoje é caro, mas certamente em uma década será competitivo. A indústria fóssil tem 16% do PIB mundial, tem um poder econômico muito grande, quer continuar dominando economicamente o mundo e a sua transição para energias renováveis está muito lenta. Tem algumas empresas fósseis que buscam a transição, mas é muito pouco. A velocidade de transição está muito lenta no mundo inteiro e também no Brasil, que é um dos países com as energias renováveis mais baratas do mundo, a eólica e a solar, então isso melhora demais a economia. Na transição energética, o Brasil tem uma condição melhor do que Estados Unidos, China e países europeus, porque usamos menos combustível fóssil para geração de energia. Por exemplo, em 2022, 92% da geração de eletricidade no Brasil veio de hidrelétricas, eólica e solar. É um potencial muito grande. O setor mais complexo para redução das emissões é a agropecuária, 95% do desmatamento no Brasil é para agropecuária. Um pouco de expansão urbana, um pouco de mineração, mas a maior parte é para o setor agropecuário. Se zerar o desmatamento e melhorar a produção agropecuária, praticando a agricultura e pecuária regenerativas, diminuiremos as emissões e vamos liberar uma área gigantesca. Do 1,6 milhão de quilômetros quadrados de pastagens, mais de 50% são de pastagens degradadas e 30% totalmente degradadas. Com a pecuária regenerativa, poderemos recuperar grande parte dessas áreas, restaurar o Cerrado, restaurar a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica, os Pampas. Se o Brasil fizer isso poderá remover 1 bilhão de toneladas de CO2 por ano enquanto todo o bioma cresce novamente. A pecuária regenerativa e a agricultura regenerativa são mais sustentáveis, reduzem o aumento na temperatura e os eventos extremos, as chuvas intensas, a erosão, tudo isso com um enorme benefício econômico. A pecuária e agricultura regenerativas são muito mais produtivas e muito mais lucrativas. Também temos um mercado de carbono que vale uma fortuna. Tudo isso é possível, mas a velocidade está sendo muito lenta. Então é mais ou menos o mesmo desafio da energia renovável, que é muito melhor que o petróleo, carvão e gás natural, mas a transição está muito lenta. A agricultura e a pecuária regenerativas são muito mais produtivas, lucrativas e resilientes, mas a transição está muito lenta. 


FCW Cultura Científica – Em 1990 e 1991, o senhor formulou a hipótese pioneira de “savanização” da Amazônia. O que mudou desde então? Como as mudanças climáticas têm afetado e vão continuar afetando a Amazônia? 

Carlos Nobre – Em 1990 e 1991, publicamos os dois primeiros artigos mostrando que se tivesse muito desmatamento da Amazônia a floresta passaria do ponto de não retorno. Chamamos de “savanização”, entre aspas. Na época, 7% da Amazônia estava desmatada, mas já projetávamos a ocorrência de grandes desmatamentos quando começamos a pesquisa, em 1988. Depois, fizemos estudos considerando também o papel do aquecimento global. Publicamos um artigo em 2016 mostrando que se o desmatamento passar de 20% a 25% em toda a Amazônia e se o aquecimento global for de 2°C ou 2,5 °C, como os dois fatores atuam sinergisticamente, passaremos do ponto de não retorno. Não terá mais volta. Entre 50% e 70% da floresta se autodegradará no sistema que chamamos “savana”, mas que corresponde a um sistema superdegradado, com dossel aberto, com perda de mais de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico. Muda o clima. A Floresta Amazônica recicla muita água e exporta uma grande quantidade de vapor d'água para o Cerrado, um pouco vem para o Sudeste e para o Sul, e com esse processo de degradação tudo diminui, modifica o clima no Cerrado, modifica o clima no Sudeste, modifica tudo. Estamos muito próximos desse cenário, não é mais apenas uma projeção. A estação seca na Amazônia já está quatro ou cinco semanas mais longa, uma semana mais longa por década nos últimos 42 anos. Isso mostra que estamos à beira do precipício. Se em mais três ou quatro décadas a estação seca continuar aumentando de duração, chegará a seis meses. Seis meses é metade do ano e não tem floresta tropical. Seis meses é o envelope climático do Cerrado. A Amazônia está perdendo muita vegetação, especialmente na parte sudeste, no sul do Pará e norte de Mato Grosso, onde a floresta virou fonte de carbono. Estamos à beira do ponto de não retorno. Precisamos zerar o desmatamento, a degradação, o fogo, precisamos restaurar as áreas desmatadas e degradadas. O Brasil lançou na COP 28 o projeto Arco da Restauração, eu tive a felicidade de sugerir isso ao BNDES, sou do Conselho de Administração, que gostou muito do potencial da ideia e lançou. Agora, vamos tentar restaurar 24 milhões de hectares, quase o tamanho do estado de São Paulo. Fazendo a floresta voltar, diminui a temperatura, mais água é reciclada, aumenta a chuva e não aumenta a duração da estação seca. Ao mesmo tempo, precisamos ter sucesso no enfrentamento da crise climática global. Se a temperatura chegar a 2,5 °C, esquece. Não é somente a Amazônia, o solo congelado da Sibéria e do Canadá, chamado permafrost, está derretendo e lançando gás carbônico e metano. Os recifes de corais estão muito próximos do ponto de não retorno. Se a temperatura dos oceanos subir 2,0 °C, teremos 100% de extinção dos recifes de corais, não vai sobrar nada de toda a biodiversidade oceânica que fica junto com os recifes. Há um enorme risco de desaparecimento de espécies não apenas nos oceanos, mas também nos continentes. 


FCW Cultura Científica – Para enfrentar a crise climática, qual é a importância de reduzir ou zerar o desmatamento no Brasil, uma vez que, diferentemente de outros países, aqui a queima de combustíveis fósseis para mover veículos e gerar energia não é a principal fonte de emissão de dióxido de carbono?

Carlos Nobre – As estimativas de emissões em 2023 no Brasil estão sendo feitas agora, não temos ainda o número, mas certamente 2023 teve uma queda expressiva de emissões, porque houve uma redução de 50% de desmatamento da Amazônia. Em 2024, a redução continuou e considerando os dois anos, 2023 e 2024, podemos estimar que de 250 milhões a 300 milhões de toneladas de gás carbônico deixaram de ser emitidos. Mas, até 2022, o desmatamento foi alto na Amazônia e também no Cerrado, sendo que cerca de 50% das emissões no país foram por causa do desmatamento nos biomas, com agricultura e pecuária respondendo por outros 25% e energia com 18%. Desde 2023, a emissão do desmatamento caiu significativamente, ainda que tenha aumentado no Cerrado, em 2024 estabilizou, estamos todos torcendo. O Ministério do Meio Ambiente está prometendo ações para convencer agricultores e pecuaristas a zerar o desmatamento, o que não será fácil. O Brasil tem uma condição melhor nesse sentido que China, Estados Unidos e países europeus porque, proporcionalmente falando, nossas emissões para geração de energia usam menos combustível fóssil. Por exemplo, em 2022, 92% da geração de eletricidade no Brasil foi de hidrelétrica, eólica e solar. É um potencial muito grande e o Brasil, na hora que zerar o desmatamento em todos os biomas, já vai reduzir em 50% as emissões. Então, poderemos caminhar para energias renováveis, em que o país tem também grande potencial. Se o custo da eletricidade cair pela metade, com a adoção da energia solar em larga escala, mais barata que o preço da hidrelétrica e da termoelétrica, as populações mais pobres conseguirão ter, por exemplo, ar-condicionado em casa, que é algo que consome bastante energia. Então, idosos e bebês vão poder se salvar das ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes. Isso implicaria em uma melhoria na qualidade de vida para as populações muito vulneráveis. 


 



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Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.3 Setembro - Novembro 2024

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