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Futuro da Linguagem

Abertura

Natural e artificial

Esta edição procura discutir o que é a linguagem hoje e como ela poderá se transformar no futuro, com o avanço vertiginoso da computação, das tecnologias digitais e da inteligência artificial. Mas esse avanço também desencadeia discussões profundas sobre identidade, diversidade linguística, aceitação social e os limites éticos da intervenção tecnológica na linguagem

Sobre

As constantes transformações na linguagem são objeto de teorias linguísticas, que tentam compreender como a linguagem funciona e seu papel na sociedade

Linguagem é “o principal método de comunicação humana, que consiste em palavras usadas de forma estruturada e convencional e transmitidas por fala, escrita ou gestos”, segundo o Oxford Languages. É “um sistema estruturado de comunicação que consiste em gramática e vocabulário”, de acordo com a Wikipédia. É um “meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais”, em uma de suas oito definições do Dicionário Houaiss


Apesar de haver muitas tentativas para definir o que é linguagem, elas têm em comum alguns pontos, tais como sistema, estrutura, comunicação e, especialmente, humano. Ainda que não haja um consenso sobre o que é linguagem, sua importância é indiscutível. Sem linguagem, não haveria humanidade. “Os limites da linguagem são os limites do meu mundo”, como disse Ludwig Wittgenstein.


Outro consenso é que a linguagem está constantemente se transformando. Se inicialmente foi considerada apenas um sistema de comunicação verbal, hoje é compreendida não apenas como um meio de transmitir informações, mas como um reflexo intrincado de identidades culturais, valores e perspectivas diversas. 


As mudanças nas definições têm sido influenciadas por teorias linguísticas, que tentam compreender como a linguagem funciona e seu papel na sociedade. Uma das mudanças mais significativas na percepção da linguagem veio com o estruturalismo no início do século 20. Ferdinand de Saussure propôs uma distinção entre a língua, um sistema abstrato de regras e convenções compartilhadas por uma comunidade linguística, e a fala, a manifestação individual desse sistema. Essa diferenciação sinalizou uma mudança de foco: da ênfase na linguagem como um conjunto de palavras para uma compreensão mais profunda das estruturas subjacentes que governam a comunicação.


Posteriormente, Noam Chomsky introduziu a teoria da Gramática Universal, segundo a qual os seres humanos nascem com uma capacidade inata de adquirir e entender a linguagem, independentemente do ambiente. Um dos conceitos fundamentais da Gramática Universal é o de "estrutura de árvore", que descreve a organização hierárquica das palavras em uma sentença. 


As teorias pós-estruturalistas destacaram como a linguagem não é apenas um meio de expressão, mas também uma forma de exercício de poder e controle social. Michel Foucault argumentou que as estruturas de poder estão embutidas na linguagem e que ela é usada para perpetuar relações de dominação e hierarquia.


Mais recentemente, a pragmática e a sociolinguística têm enfatizado a importância do contexto na interpretação da linguagem. Essas teorias destacam que a significação linguística não reside apenas nas palavras em si, mas também na situação comunicativa, no contexto cultural e nas relações entre os falantes.


“A sociolinguística investiga as marcas do sistema linguístico que diferenciam um grupo de outro. São marcas pequenas que nem sempre percebemos no nível consciente. Observamos algo diferente na fala de uma pessoa mas não associamos ou identificamos o traço. Alguns são mais óbvios e salientes, outros nem tanto, e os indivíduos de uma variedade só se dão conta da diferença quando saem da bolha e entram em contato com alguém que fala diferente”, disse a professora Raquel Freitag em uma das entrevistas desta edição de FCW Cultura Científica.  


Esta edição procura discutir o que é a linguagem hoje, na segunda década do século 21, e como ela será nos anos que virão. Neste cenário, é impossível ignorar o avanço vertiginoso da computação e das tecnologias de comunicação, que desempenham papel crucial na transformação da linguagem. 


A ascensão da inteligência artificial e do processamento de linguagem natural tem redesenhado o panorama linguístico, desafiando fronteiras e encurtando distâncias. Não apenas transformam a maneira como nos comunicamos, como também redefinem os limites da compreensão e interação linguística.


Como explica a professora Helena Caseli, o PLN, um campo interdisciplinar que combina inteligência artificial, linguística computacional e processamento de dados, tem possibilitado a criação de sistemas capazes de entender, interpretar e gerar linguagem humana de maneira mais sofisticada. O desenvolvimento de assistentes virtuais, como Siri, Alexa e Google Assistente, é um exemplo tangível desse avanço. Esses sistemas utilizam algoritmos de PLN para compreender comandos de voz, responder a perguntas e até manter diálogos simples, imitando a comunicação humana.


No entanto, esse avanço tecnológico não está isento de dilemas. O processamento de linguagem natural no Brasil, por exemplo, enfrenta desafios significativos devido à diversidade linguística presente em um país com dimensões continentais, exigindo esforços contínuos para tornar as tecnologias linguísticas mais inclusivas e abrangentes.


A importância do multilinguismo e a preservação de línguas ameaçadas emergem como temas cruciais neste cenário em constante mutação. Em um mundo interconectado, preservar a riqueza das línguas minoritárias não apenas mantém viva a diversidade cultural, mas também enriquece nossa compreensão da complexidade linguística humana.


As redes sociais têm exercido uma influência notável na evolução da linguagem. A rapidez da comunicação online, juntamente com a necessidade de concisão, deu origem a novos dialetos, gírias e formas de expressão. O espaço digital tornou-se um laboratório vivo para a transformação linguística, moldando e disseminando tendências linguísticas em velocidades antes inimagináveis.


Para tentar entender todos esses cenários, pesquisas são imprescindíveis. Precisamos de mais estudos sobre a diversidade linguística, para investigar como a linguagem se desenvolve em diferentes contextos culturais e sociais. Precisamos de mais pesquisas sobre o impacto da tecnologia na linguagem e como essa transformação está afetando a linguagem humana. 


Precisamos também de mais pesquisas sobre o processamento de linguagem natural, que busquem inserir o Brasil na linha de frente do desenvolvimento de sistemas de interação mediados pelas máquinas e entre humanos e máquinas, além de garantir que essa tecnologia seja usada de forma ética e responsável.


O avanço da inteligência artificial não apenas transforma a comunicação e a linguagem, mas também desencadeia discussões profundas sobre identidade, diversidade linguística, aceitação social e os limites éticos da intervenção tecnológica na evolução da linguagem. É um domínio em constante mudança, no qual teorias linguísticas e implicações sociais estão intrinsecamente entrelaçadas com os avanços tecnológicos.


Todos esses fatores e teorias contribuem para uma mudança profunda na maneira como percebemos a linguagem. Hoje, reconhecemos que a linguagem não é um fenômeno isolado, mas um espelho multifacetado das complexidades humanas. Ela reflete não apenas a estrutura gramatical ou o significado das palavras, mas também as relações sociais, identidades culturais, poder e dinâmicas em constante mudança que permeiam a sociedade.


A compreensão contemporânea da linguagem abraça sua natureza cambiante e multifacetada, reconhecendo-a como o cerne não apenas da comunicação, mas também da identidade dinâmica do homem em sociedade.



 




Revista FCW Cultura Científica v. 2 n.1 Março - Maio 2024

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