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Saúde na Amazônia

Entrevista

Nísia Trindade

Ministra da Saúde e ex-presidente da Fiocruz fala sobre o plano para enfrentar a emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami, ações para evitar que ocorra novamente e os desafios para a saúde na Amazônia

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Sobre

Primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde, Nísia Verônica Trindade Lima foi também a primeira mulher a presidir a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre 2017 e 2022. Na Fiocruz, foi também vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, diretora da Editora Fiocruz e diretora da Casa de Oswaldo Cruz. Coordenou a Rede Zika Ciências Sociais, criou o Observatório Covid-19 e foi membro do grupo de trabalho de Plano de Ação Global da Organização Mundial da Saúde. É membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências.

 

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tem mestrado em Ciência Política e doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Participa de programas e redes internacionais nas áreas de história da ciência e história da saúde e integra os conselhos editoriais dos periódicos Medical History; História, Ciências, Saúde-Manguinhos; Revista Brasileira de História da Ciência; Caderno de História da Ciência; e Escritos da Fundação Casa de Rui Barbosa. Suas áreas de pesquisa e ensino são história da ciência e da saúde, em especial das ciências sociais, e pensamento social brasileiro.

FCW Cultura Científica – O Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional diante da urgência em enfrentar a desassistência sanitária na Terra Indígena Yanomami. O que está sendo feito para enfrentar essa crise?
Nísia Trindade – Estamos trabalhando com metas e prazos. A portaria da emergência sanitária em 20 de janeiro e a ação interministerial definida pelo presidente Lula indicaram o prazo de 45 dias para um estudo e já apontar diretrizes. Ao mesmo tempo, o início do trabalho de assistência foi imediato. Nos primeiros 30 dias após a declaração de emergência, mais de 5 mil atendimentos médicos foram realizados no território Yanomami, em casos de grave situação de desassistência. Entre as crianças acompanhadas na Casa de Saúde Indígena, 78% evoluíram do quadro grave de desnutrição para moderado. Enviamos mais de 100 profissionais pela Força Nacional do SUS para a região. O Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) providenciou instalação de bebedouros e avaliação clínica e nutricional de pacientes e acompanhantes. O COE - Yanomami publica diariamente dados de atendimentos realizados pelas equipes de saúde. Algumas ações terão que ser mais de médio e longo prazo, mas a curto prazo temos que tirar a população Yanomami da situação de extrema gravidade em que se encontra, com atenção especial à saúde e apoio do ponto de vista de segurança alimentar, mas sempre respeitando a dieta tradicional, os costumes e o modo de vida da população. Temos enfatizado que precisamos restabelecer o modo de vida dos povos indígenas, por que é a desorganização social que leva à desnutrição, à doença e aos problemas que estamos vendo hoje, tendo como causa determinante o garimpo ilegal. 

FCW Cultura Científica – Seu discurso de posse destacou, no campo da saúde indígena, a gestão com emergência na região Yanomami. Que ações devem ser implementadas para evitar que ocorram novamente crises como a atual?
Nísia Trindade – Precisamos acabar com o garimpo ilegal, que desorganizou totalmente o modo de vida indígena, além de destruir o ambiente e aumentar os casos de malária e de outras doenças, até por conta de mudanças no hábitat dos vetores. Também é fundamental fortalecer o subsistema de saúde indígena, que foi criado dentro do Sistema Único de Saúde com os distritos sanitários e com vagas do Programa Mais Médicos direcionadas para os distritos indígenas. Esse subsistema surgiu com a visão de fazer a atenção básica de saúde nesses distritos, mas quando assumimos o Ministério da Saúde encontramos ele muito fragilizado. Encontramos os polos, como são chamadas as várias unidades de um distrito, em condições precárias de funcionamento. O Brasil é muito grande e temos distritos sanitários indígenas em todas as regiões do país, em condições muito variadas, mas em geral o sistema como um todo requer uma forte intervenção do Ministério da Saúde, para que possa de fato garantir o acesso à saúde aos povos indígenas. 

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Equipes da Força Nacional do SUS prestam atendimento emergencial em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami (foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

FCW Cultura Científica – Além da crise sanitária em áreas indígenas, como estabelecer prioridades para melhorar a saúde na Amazônia, que sofre com doenças endêmicas e crônicas, falta de médicos, falta de equipamentos e desassistência de modo geral?
Nísia Trindade – A questão amazônica tem sido um objeto muito especial do Ministério do Meio Ambiente mas requer uma ação interministerial. No caso do Ministério da Saúde, o que sempre se preconizou foi o trabalho em rede. Para isso foi criada a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, com foco em estimular o trabalho na academia, nas universidades e institutos de pesquisa, de modo a conhecer, entender e poder enfrentar os grandes desafios na área de saúde no país. Isso é algo que queremos fortalecer agora no Ministério. Durante o processo de transição entre os governos foi realizado um fórum de instituições universitárias e de pesquisas na Amazônia, que contribuiu com muitas sugestões e indicações que ajudarão em nossos trabalhos. Estamos também em processo de criação de um grupo de trabalho dedicado exclusivamente à Amazônia envolvendo instituições locais. Com relação à Amazônia, o Ministério da Saúde, além de apoiar o trabalho em rede com universidades e institutos de pesquisa, conta com o Instituto Evandro Chagas, que é um instituto importante localizado no estado do Pará e que faz um trabalho de laboratório de referência, de vigilância em nível nacional. De modo geral, precisamos de um esforço sistemático para esse trabalho em rede e o papel do Ministério da Saúde tem que ser o de coordenação nacional, não do executor de todas as ações, o que seria impossível. 

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Mulher e filhos chegam ao Hospital de Campanha Yanomami montado na Casa de Saúde Indígena em Boa Vista (foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)

FCW Cultura Científica – Além de todos os problemas atuais, como a Amazônia poderá enfrentar novas doenças ou mesmo epidemias surgidas por causa das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade?
Nísia Trindade – Em relação aos desafios contemporâneos à saúde, um dos principais é a questão das mudanças climáticas e seu impacto nas condições ambientais e de saúde. Quando pensamos sobre isso lembramos de novas epidemias ou pandemias como a de Covid-19, mas temos na história muitos outros exemplos disso. Um deles é a mudança radical de distribuição geográfica da febre amarela no Brasil. A febre amarela no início do século 20 era um problema principalmente nos portos, em especial no Rio de Janeiro, e afetava a economia, a vida na cidade, a vinda de migrantes. Depois, quando se conseguiu eliminar a transmissão nas áreas urbanas, a febre amarela se tornou uma doença endêmica de regiões como a Amazônia. Tanto que a vacinação era indicada para viagens a esses locais e fomos vendo uma mudança na distribuição geográfica da doença. Um dos fatores determinantes tem a ver com desmatamento, mas também com a alteração na temperatura e o desflorestamento, com a concentração de vetores e de animais que participam da cadeia de transmissão da febre amarela. Há uma relação muito forte entre questões sociais e ambientais com a emergência de doenças transmissíveis por vetores. Então, acho que isso hoje tem que ser visto por uma perspectiva de uma saúde única, o que significa um olhar mais integrado na relação ambiente, sociedade e saúde. Do ponto de vista das políticas em saúde, isso também reforça a questão do monitoramento e vigilância, da importância de ter sistemas mais apurados e sentinelas. Há vários instrumentos para isso, mas é fundamental o papel dos agentes de saúde, algo que precisamos fortalecer no Brasil, pois é na atenção primária que aparecem os primeiros indícios de novas doenças, como febres altas ou queixas diferentes do usual. Tudo isso requer sistemas integrados de dados e capacidade de leitura e o Sistema Único de Saúde tem essa capilaridade.

Entrevista e edição: Heitor Shimizu

Publicado em: 20/04/2023
Entrevista concedida em: 06/02/2023 - atualizada em 25/03/2023
Foto Ministra: Julia Prado / Ministério da Saúde

Foto Amazônia: Fernando Frazão / Agência Brasil

Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 2 abril - junho 2023

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