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Saúde na Amazônia

Reportagem

Malária, desde sempre

Garimpos ilegais provocam novamente aumento no número de casos de malária na Amazônia. Longe de estar controlada, doença milenar permanece um dos mais graves problemas de saúde no mundo

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A malária é uma doença milenar que acompanha a humanidade em sua história. Há registros da doença em escritos de diversas civilizações antigas, como a chinesa, a mesopotâmica, a egípcia e a grega. O parasita causador da doença, o Plasmodium falciparum, existe há mais de 50 mil anos, mas se proliferou somente há cerca de 10 mil anos, com o desenvolvimento da agricultura e de assentamentos humanos. 

 

A malária se tornou um problema de saúde pública que persiste até hoje. Apesar de quem vive em centros urbanos pouco se preocupar com a doença, ela continua a ter um impacto devastador. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2020 foram registrados 241 milhões de casos da doença em 85 países, com 627 mil mortes. 

 

No Brasil, houve uma queda na frequência de casos de malária de 2010 a 2016, segundo o Ministério da Saúde. Entretanto, 2017 viu um aumento de 52,7%, com 189.515 casos autóctones – quando a doença é contraída dentro da própria região. A partir do ano seguinte, o total voltou a cair. Em 2020, foram registrados 143.403 casos, com redução de 6,4% em comparação ao ano anterior. Em 2021, nova redução de quase 3%. 

 

Historicamente, os casos de malária têm caído no Brasil, mas com muito sobe e desce. Em 1999, foram 632.813 mil, caindo após ações de combate ao problema, chegando a 349.896 em 2002. Em 2005, novamente o total superou o meio milhão. Apesar da queda a longo prazo, ainda há desafios para o controle e a eliminação da doença no país.

 

Em maio de 2022, com a participação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o governo federal lançou o Plano Nacional de Eliminação da Malária, que tem como objetivos diminuir o número de casos autóctones da doença para menos de 68 mil até 2025, reduzir a quantidade de óbitos para zero até 2030 e eliminar a doença no território brasileiro até 2035. Não será fácil. 

 

“A malária foi sempre, em todos os tempos, um grande algoz da humanidade. Algumas epidemias, como a da peste do século 16, podem ter tido maior dramaticidade pela agudeza de sua ocorrência, mas nenhuma outra doença se compara à malária pela tenacidade e perenidade com que flagela a humanidade”, explicou o professor Erney Plessmann Camargo (1935-2023), um dos mais renomados pesquisadores no mundo em malária e doenças negligenciadas. 

 

“Ela não poupou qualquer segmento da terra, com exceção das regiões polares e subpolares. Até a Segunda Guerra Mundial, mesmo a Europa e a América do Norte pagavam elevado tributo à malária, também chamada de paludismo, impaludismo, maleita ou febres terça e quarta”, disse o ex-presidente da FCW. 

 

A malária é uma doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários do gênero Plasmodium transmitidos pelo mosquito Anopheles. É uma doença com tratamento simples e eficaz, mas que pode evoluir para formas graves se não for diagnosticada e tratada rapidamente. 

 

“Ela apresenta características clínicas inconfundíveis que permitem distingui-la de outras doenças febris: intensos calafrios precedem a febre alta que ocorre em episódios de três a quatro horas de duração que podem se repetir todos os dias ou a intervalos de um ou dois dias, por tempo variável, até que o paciente se recupere ou morra. Além disto a doença se faz acompanhar de aumento perceptível do baço e, às vezes, tende a ressurgir depois de variáveis períodos de cura aparente”, disse Camargo. 

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“A malária foi sempre, em todos os tempos, um grande algoz da humanidade", disse Erney Plesssmann de Camargo (foto: Ministério da Defesa / Agência Brasil)

No Brasil, atualmente a quase totalidade (99%) da transmissão da malária ocorre na Amazônia, onde um grande aumento tem ocorrido nos últimos anos por causa do garimpo ilegal. O garimpo amplia o problema por retirar a cobertura vegetal e aumentar o foco de proliferação do mosquito transmissor da malária. 

 

“O fluxo migratório de indivíduos que trabalham na atividade mineradora contribui para a manutenção da endemicidade e do risco de contrair malária”, ressaltam pesquisadores do Instituto Evandro Chagas em artigo no International Journal of Environmental Research and Public Health

 

Os cientistas realizaram um estudo na cidade de Itaituba (PA), em área sob influência da atividade mineradora. De 908 indivíduos examinados, 311 deram positivo para malária, a maioria garimpeiros e homens. A conclusão foi de que a malária continua um grave problema de saúde na região. 


Se a situação é grave em Itaituba, o impacto do garimpo ilegal para a saúde indígena tem sido muito maior. O aumento nos casos de malária no território Yanomami, por exemplo, foi de 700% na última década. O número de casos registrados no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, em Roraima, disparou no governo de Jair Bolsonaro: de 9.928 em 2018 para 20.393 em 2021. 

 

O afluxo de garimpeiros ao território Yanomami ocorrido nos últimos anos representa “o pior momento de invasão desde que a Terra Indígena foi demarcada e homologada,

há trinta anos”, destaca o relatório Yanomami sob ataque, produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA). 

 

“Além do desmatamento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de ouro (e cassiterita) no território yanomami trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e para a economia das famílias, e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas”, disse o relatório. 

 

Segundo o MapBiomas Brasil, de 2016 a 2020 a presença do garimpo ilegal no território Yanomami cresceu 3.350%. O relatório Yanomami sob ataque indica que em 2021 a destruição provocada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami cresceu 46% em relação a 2020. “Houve um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos o nosso monitoramento em 2018, e, possivelmente, a maior taxa anual desde a demarcação da Terra Indígena Yanomami em 1992”.

 

“Note-se que, com exceção do aumento do preço do ouro, os fatores que têm alavancado o garimpo na Terra Indígena Yanomami (e na Amazônia de modo geral) estão relacionados a escolhas políticas. Isto é, poderiam ter sido evitados por meio de políticas públicas que respeitassem plenamente princípios constitucionais de garantia e proteção de direitos fundamentais. Por esta razão, entende-se que o garimpo ilegal não é um problema sem solução, mas o resultado lógico de decisões que favorecem a expropriação de recursos naturais, sempre em prejuízo dos direitos dos povos indígenas do país”, destaca o relatório do ISA.

 

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Reportagem e edição: Heitor Shimizu

Fotos: Bruno Kelly / HAY e James Gathany - CDC / Wikimedia Commons

Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 2 abril - junho 2023

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