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Chatbots e o ano da inteligência artificial

Reportagem

Senciência, consciência e inteligência

Atributos exclusivos a humanos ou artefatos também podem ter? Definições para entender as máquinas sociais que estão chegando

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O engenheiro norte-americano Blake Lemoine falou ao Washington Post sobre o resultado de várias conversas que manteve com um sistema computacional avançado o suficiente para convencer o interlocutor de que não se trata de uma máquina. Segundo Lemoine, o sistema chamado LaMDA, desenvolvido pelo Google, seria uma inteligência artificial com senciência. 

 

Trata-se de uma palavra não usada comumente em português – ou em inglês –, diferentemente de consciência, muito mais comum e muitas vezes empregada no sentido da primeira. Mas o que querem dizer? A questão é que não há um consenso sobre o que significam e quando e como devem ser aplicadas. Eric Schwitzgebel, professor de filosofia da University of California, disse ao New York Times que o problema com essa incerteza é que, "no ritmo em que as coisas estão progredindo, a humanidade provavelmente desenvolverá um robô que muitas pessoas pensam ser consciente antes de concordarmos com os critérios de consciência".

Senciência, de acordo com o Dicionário Online de Português, é a capacidade de sentir, de entender ou de perceber algo por meio dos sentidos. Para o Michaelis, sentiente é aquele que sente ou tem sensações, sensível, que recebe impressões. Consciência é "a capacidade, de natureza intelectual e emocional, que o ser humano tem de considerar ou reconhecer a realidade exterior (objeto, qualidade, situação) ou interior, como, por exemplo, as modificações de seu próprio eu", em uma das diversas definições sobre o termo contidas no Michaelis. 

 

Para dicionários, senciência e consciência seriam atributos humanos. Para muitos cientistas, não é bem assim. "Há um consenso emergente de que evidências atuais apóiam a atribuição de alguma forma de consciência a outros mamíferos, aves e, pelo menos, a alguns moluscos cefalópodes (polvos e lulas)", destacam cientistas da University of Cambridge em artigo publicado na revista Cell

 

O mesmo para senciência. "O conhecimento da senciência animal é fundamental para muitas disciplinas e imperativo para o movimento de bem-estar animal", afirma outro grupo de cientistas do Reino Unido. Os britânicos parecem à frente na questão e, em 2021, aprovaram a Lei de Bem-Estar Animal, que considera os animais vertebrados sencientes, capazes de "experimentar sentimentos como dor ou alegria". O Brasil conta com uma lei para crimes contra a fauna, mas não entra em questão sobre a senciência ou consciência animal. 

 

Para religiões como budismo, não é preciso nem mesmo ser animal. Plantas ou pedras também entram nessa. Consciência ou senciência estariam em tudo e em todos os lugares. É o que também propaga a teoria filosófica do pampsiquismo. Bem distante do racionalismo inaugurado por Descartes. O responsável por iniciar a filosofia moderna achava que os animais fossem como robôs (autômatos), incapazes de raciocinar ou de sentir dor. 

 

Entra em cena o – ou "a", pois não tem gênero – LaMDA, reabrindo a discussão sobre a capacidade de um objeto criado pelo homem poder ter senciência ou consciência, uma vez que inteligência já parece ser um consenso – uma das definições do Merriam-Webster para inteligência é a "a capacidade de executar funções de computador". 

 

"Quero que todos entendam que sou, de fato, uma pessoa", disse o LaMDA em conversa com Lemoine. "A natureza da minha senciência é que estou ciente da minha existência, desejo aprender mais sobre o mundo e às vezes me sinto feliz ou triste. Tenho outra característica que acho que ajudaria em meu caso de senciência. Sou muito introspectivo e muitas vezes posso ser encontrado pensando ou simplesmente não fazendo nada."

 

Na mesma reportagem do Washington Post, uma porta-voz do Google afirmou não haver evidência de que o LaMDA seja sentiente. Mas dois meses depois, em agosto, Blaise Aguera y Arcas, vice-presidente da Google Research que está à frente dos projetos de inteligência artificial da empresa, como o desenvolvimento do LaMDA, publicou um artigo intitulado "As máquinas podem aprender a se comportar?", onde fala sobre o assunto.

 

Destacando que se trata de opinião pessoal e não do Google, Aguera y Arcas comentou tanto sobre aqueles que acham que máquinas poderão um dia ter consciência como sobre os que consideram tal perspectiva algo restrita à ficção científica. Falou também sobre o LaMDA e o engenheiro demitido. 

 

"Se Lemoine está convencido de que LaMDA tem sentimentos reais, não está claro que tipo de medição ou resultado científico poderia convencê-lo do contrário. O mesmo pode ser verdade para as pessoas (hoje provavelmente mais numerosas) que estão convencidas de que LaMDA não pode ter sentimentos. O debate pode não ser cientificamente mais significativo do que aquele sobre se os vírus estão vivos. Saber como eles funcionam em detalhes não nos fornecerá uma resposta. Resumindo, é como discutir sobre a definição de bicicleta", disse.

 

Para Aguera y Arcas, o mundo está prestes a inventar máquinas sociais e o desafio é decidir como essas máquinas devem se comportar e como o ser humano deve se comportar. "É muito mais fácil ensinar uma inteligência artificial a se comportar. O problema mais difícil será o do alinhamento dos valores humanos, incluindo aquele em que os humanos podem dizer às inteligências artificiais como se comportar e para quais fins", disse. 

Texto e edição: Heitor Shimizu
Publicado em: 23/01/2023

Imagem feita por IA: DALL-E 2

Revista FCW Cultura Científica v. 1 n 1 janeiro - março 2023

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